ANSEIOS DE HORIZONTES



ApresentaçãoNiterói, 26/10/2022 O Autor
Escreve é reconhecer-se e autoconhecer-se. Tra çar linhas, estratégias, percursos, abrir caminhos. Reposicionar-se frente ao drama cósmico e hu mano. 
Esta obra é um conjunto de textos reflexivos e de poemas. Nasceu no início de 2020 e teve como fertilizantes iniciais, dois acontecimentos: Primei 
ramente, o luto que eu estava vivendo pela partida recente de meu pai, figura muito amada e marcante em minha vida. Em segundo lugar, uma paixão frustrada que tive por uma pessoa, que conheci na época. 
Esses dois fatos mobilizaram em mim afetos e sensibilidade, antes negados ou reprimidos e, para melhor dar conta disso, lancei mão da escrita, entrando em contato com minha veia poética. Os poemas desse primeiro momento apresentam um tom apaixonado, intenso e romântico, como por exemplo: Dividido, Deixa-me te conhecer e Amor platônico. 
A partir de março de 2020, devido à pandemia do corona vírus, senti a necessidade, assim como muitas pessoas, de meditar e escrever sobre o assunto. Dois textos abordam mais especificamente esse evento: Crise e oportunidade e Uma nova eco 
logia: Uma nova chance. 
Após isso, segui dissertando sobre temas que me tocam de alguma forma. Ora voltado à elaborações de cunho mais terapêutico e filosófico, frutos de minha formação em Psicologia, ora enfocando aspectos mais diretamente sociais e políticos. 
De modo sintético, posso dizer que é um livro pluriverso, multifacetado, onde se nota a presença de algumas influências que me perpassam de forma mais significativa; bem como elementos de minha própria introvisão. 
Apesar da diversidade, encontramos nele uma linha mestra de intenção: Estimular e sensibilizar o leitor a questionar o lugar comum, o já dado, a verdade pronta e imutável. Sou um adversário declarado de fanatismos, fundamentalismos e dog 
matismos, seja em que seara for. 
Quantas violências foram e são praticadas em nome disso? 
Visto a fuga de tudo aquilo que estreita e torna medíocre o pensar e o viver. Desejo a ampliação do olhar, abrir as mentes e consciências, inclusive a minha. Aponto, denuncio e critico toda e qualquer forma de violência. Notadamente as sutis, tidas como inofensivas referendadas socialmente; mas
que humilham, machucam, ferem perigosa e silenciosamente a dignidade humana. 
O título Anseios do Horizonte tem bastante a ver com isso. Mas também não deixa de expressar uma urgente necessidade coletiva nesses tempos de cisivos que vivemos enquanto país e humanidade. Todos ansiamos por uma época mais humana, amorosa, democrática, justa e inclusiva. 
Uma era onde as diferenças e singularidades sejam respeitadas e não se tente enquadrar os sujeitos em moldes, papéis pré-determinados, caixas limitadas e limitantes. 
Que a palavra liberdade não seja apenas mais uma abstração insignificante. Para isso, é fundamental que, antes de tudo, nos aceitemos e aprendamos a nos amar como somos. Paremos de negar e conflituar com nossa própria natureza. É preciso que nos acolhamos. 
Pode haver alguma dor, mas também há muitas potências e maravilhas em ser quem verdadei ramente se é. A mudança de paradigma começa em nós. Que este trabalho seja uma contribuição a mais nesse sentido.
Prefácio
O PARTO NECESSÁRIO 13/09/22 
Nascer como sujeito adulto e desejante implica lidar com um certo desamparo e solidão, mas que valem muito a pena. 
Abandonar a submissão, deixar de precisar de referendos, aprovações e autorizações para tudo. Aprender a decidir por conta própria, assumindo o risco de errar. Sim, ser adulto é abandonar o mito de perfeição que nos venderam. Somos humanos! Gente não é máquina, gente erra. 
Ninguém acerta sempre, é preciso que saibamos acolher também os nossos erros. 
É saber que vamos viver bons e maus momentos, alegrias e tristezas, prazeres e dores. Porque a vida é isso. Dia e noite, claro e escuro, sol, flor, chuva e tempestade. 
Não vamos agradar a todos, nem todo mundo vai ressoar conosco, nos entender e gostar de nós. Mas, e daí? Antes de tudo, somos nós que temos, que nos acolher, aprovar e qualificar. É preciso, pri meiramente, buscar quem se é e o próprio sentido. Nesse ponto, precisamos ser saudavelmente ego ístas. 
Autonomia empodera, traz bem estar. Ser autôno mo é confiar na sabedoria do próprio coração, corpo e percepção. É entender-se e aceitar-se como é. É aceitar o não saber e a angústia que pode advir
advir disso. 
É lidar com o imprevisível. É saber silenciar quando não há nada a dizer. É parar de ficar se explicando e justificando por tudo. É saber dizer não. Não sei, não posso, não quero, não sou obrigado (a), não concordo. É saber dizer sim. É saber ficar e partir. É viver e deixar viver.
EDUCAÇÃO 
RESPEITO AO LUGAR DE FALA, CONVICÇÃO E DIFERENÇA DAS CRIANÇAS E JOVENS 
Freud dizia que existem três ofícios impossíveis: Educar, governar e psicanalisar. 
No entanto, em relação à educação, podemos pensar sobre alguns princípios que, a meu ver, são importantes. 
Quando uma criança manifestar alguma convicção com a qual não concordamos, não devemos desqualificá- la sumariamente. 
É bom primeiramente ouvi-la e considerar seu ponto de vista. Depois, colocar nossa argumentação e procurar fazê-la pensar. 
A tão conhecida fala: “Criança não tem querer", também é distorcida, autoritária. 
Criança tem querer sim. Nem sempre esse querer poderá ser satisfeito, ela precisará aprender a lidar com o “não", com os limites. Mas ela tem sim, o direito de querer, de desejar. 
Suas crenças e opiniões também devem ser respeitadas. Eles estão formando seu sistema de pensamento, sua cosmologia. E todo sujeito preci sa disso para orientar o seu viver. 
Ao educá-las e corrigir seu comportamento, quando considerado errado ou inadequado, o adulto deve ser firme quando necessário. Mas não admoestá-la em excesso, ameaçá-la, agredi-la, de modo a causar-lhe complexos de culpa.
Claro que estou falando em linhas gerais. Existem situações e situações, graus e graus daquilo que consideramos como infrações. E cada uma destas situações exigirá intervenções mais ou menos severas. Mas o que chamo atenção é para a necessidade de se ter empatia, flexibilidade e respeito com isso. Uma criança que foi silenciada, excessivamente reprimida, desrespeitada em seu lugar de pensamento e fala, irá se tornar um adulto inseguro, sem confiança nas suas convicções, facilmente dominado e manipulado. 
Para avançar na vida, há que se ter também uma certa dose de transgressão e ousadia. Os seres humanos que moveram o mundo para melhor sempre tiveram esses dois quesitos em algum grau. Posso dizer que, em algum nível, isso deve ser inclusive estimulado, principalmente em crianças de temperamento mais tímido e retraído. 
Regras existem para orientar a vida em sociedade e é bom que sejam respeitadas e cumpridas, mas não se deve fazer uso delas para oprimir e massacrar os sujeitos. 
Orientemos e eduquemos nossas crianças, mas respeitemos também suas singularidades, desejos e diferenças. Aprimoremos nossa fina sintonia nesse sentido. Fica para pensarmos.-
DA SOLIDÃO E SEU VALOR 08/05/21 
Antes de começar o texto propriamente dito, quero me colocar à sua disposição, caro leitor, caso você precise conversar. 
Da minha solidão, posso tentar entender, ao menos em parte, a sua. E nesse encontro, de coração a coração, podemos tentar descobrir as respostas que somente a sua solidão pode lhe dar. 
O filósofo francês Jean Paul Sartre, expoente de uma escola de pensamento, chamada Existen cialismo, dizia que o homem está condenado a ser livre. Da mesma forma, está condenado a ser só. 
Todos temos interiormente um lugar de solidão. Esse fato independe da nossa vontade. Mesmo estando rodeado de pessoas, essa condição perma nece. Ela é estrutural, intrínseca à natureza huma na. 
Somos solitários nas nossas decisões, dores, angús tias, possibilidades e impossibilidades. Que são, quase sempre, inacessíveis à compreensão da maioria das pessoas e muitas vezes à nossa própria. 
Nietsche dizia, que somente nós mesmos podemos construir as pontes que precisaremos para atravessar o rio da vida. Portanto, o nosso caminho nesta existência também é solitário. Podemos contar com o apoio de outras pessoas, mas elas não podem viver por nós, nem fazer em nosso lugar as coisas que só nós podemos fazer.
A condição de ser só é de natureza pessoal e intransferível. O lugar de solidão é também um espaço de singularidade, onde se é único. Por isso, é tão difícil entender realmente o que se passa com o outro. Um sofrimento, por exemplo, especialmente quando este é de natureza subjetiva. 
Somos seres gregários e ninguém nasceu para ficar sozinho o tempo todo. Precisamos de afeto, convívio, partilhas, trocas. No entanto, contactar e cultivar esse espaço onde somos solitários é importante e mesmo vital à nossa saúde mental e espiritual. 
A solidão não é algo ruim, pelo contrário. Ela pode e deve ser um espaço de reflexão, criação, meditação, autocuidado, reenergização e mesmo, produção. Quando escrevemos ou compomos sozinhos, por exemplo. Claro que algumas pessoas têm mais necessidade dela do que outras. Mas acredito que ela seja de relevância para todos. 
Em nossa sociedade ocidental, voltada à exteriorização, ela não é valorizada. Como pressu põe uma interiorização, é desestimulada. Sofremos de um vazio existencial, de um buraco interior, que procuramos preencher de diversas maneiras: 
Consumindo, competindo, tendo pressa, tomando remédios, calmantes, nos alienando das mais diver-
sas formas. Menos entrando em contato conosco mesmos, conversando com a nossa solidão, com quem realmente somos, com o que é importante para nós, com a nossa verdade mais profunda. 
Em consequência disso, estamos adoecidos, estressados e ansiosos. Multiplicam-se as síndromes e transtornos mentais. A depressão. Corremos e nos sacrificamos em nome de uma pretensa e falsa segurança. Não aceitamos o fato de controlarmos muito pouca coisa em nossas vidas. Na pandemia da corona vírus, onde tivemos nossas interações sociais forçosamente restringidas, o tema da solidão entrou fortemente em destaque. O “fique em casa" pode significar também um " volte-se para dentro", para seu interior, entre em contato consigo mesmo. Muitos piraram e estão pirando com isso. 
Acredito que esse vírus também tenha vindo mostrar o quanto nossas bases emocionais e espiri tuais estão mal assentadas. Vivemos em função de valores frágeis e inúteis. Estamos muito amedron tados não só por causa dos prejuízos e dificuldades externos, mas também e principalmente por não sabermos lidar com o desconhecido, com o inesperado, com a falta de controle. E, desde março de 2020, o imprevisível passou à primeira cena. 
Antes de terminar, uma nota sobre o amor, o relacionamento afetivo. Ele não nos livra da solidão.
Os dois, ou mais, no caso do poliamor, apesar de tudo de belo e bom que possam ter, permanecem, em essência, distintos, separados. Esse fato pode às vezes gerar muita angústia em algumas pessoas, mas é assim que é. O verdadeiro amor é o encontro de duas solidões. 
Dois corações, singulares, mas que comungam em pontos de afinidade. 
O tema da solidão pode articular-se muito bem com os temas do tempo, do silêncio e do mistério. Tópicos que pretendo desenvolver em outros textos. 
Nós podemos nos esquecer da solidão, mas ela nunca se esquece de nós. Crise ou oportunidade? "Êxtase, prazer ou bicho de sete cabeças? Você decide.... Solidão, simplesmente solidão". 
Êx-
POR QUE NOS TRATAMOS TÃO MAL? 
Ultimamente tenho observado o quanto no cotidiano as pessoas muitas vezes se tratam mal. E, geralmente, nem se dão conta disso. Repetem um padrão aprendido socialmente. 
Nisso estão inclusos rótulos, intolerância, debo ches, comportamentos permissivos, inconveni entes, abusivos. Reclamamos da violência, mas a fomentamos diariamente em nosso cotidiano, em nossas micropolíticas. 
Essas violências constantemente são naturalizadas e tidas como inofensivas. De certa forma, nos acostumamos, esquecemos de questioná-las, de 
perguntarmos o porquê de aceitarmos e reprodu zirmos tais práticas. Para muitos, já se tornou mesmo um traço do próprio caráter. Formas de funcionamento que já se entranharam na perso nalidade. 
Um rótulo, por exemplo, é uma definição, uma sentença, uma criação de verdade que nem sempre corresponde à mesma. É muito nocivo, por exem plo, quando os próprios pais rotulam seus filhos. Causam males às vezes irreversíveis. 
A natureza das pessoas precisa ser respeitada e precisamos aceitar a nós mesmos como somos. Ninguém é obrigado a se encaixar nos padrões de ninguém. A corresponder às expectativas alheias. 
“Ô péla saco!", "Ô viado!", "Ô animal!". Nos meios a
militares, é comum o rótulo de "bisonho!" Qual a necessidade das pessoas se tratarem assim? A depressão, o pânico, o medo, as moléstias psíquicas não são fruto de algum grande mal ou inimigo externo. O mundo tem sim, muitos problemas e perigos. Mas esse mal começa em nós, esse mal se transmite, se perpetua em nós. Sutilmente, quase imperceptivelmente. Sem perceber, reproduzirmos a lógica perversa de um sistema social maior, que nos quer sempre divididos, desunidos, insensíveis, desumanizados, competindo uns com os outros. 
Do ponto de vista do ensino, pedagógico, educar não deve ser adestrar. A educação também deve visar à sensibilização e a desenvolver o pensamento crítico. Orientar, conduzir, dar limites, usar de firmeza e até mesmo contundência quando preciso, tudo isto é importante. Mas por que tantos castigos e mecanismos punitivos? Não se percebe que isso oprime, bitola, deprecia, prejudica o verdadeiro aprendizado? 
Reconhecer a violência em nós, reconhecer a violência no outro. Deixar de naturalizar, de aceitar o que é violento. Aprender a nos defender da violência. Criar mecanismos de enfrentamento da mesma. 
Acho muito válido o trabalho do psicólogo Marsshall
Marsshall Rosenberg, sobre Comunicação Não Violenta. Para nos comunicar, não precisamos agredir, nem brigar. Muitas vezes, em nossos problemas de relacionamento, pode ser que estejamos sendo violentos em algum ponto, sem que nos apercebamos. Ou que a nossa violência esteja ressoando com a violência do outro, prejudicando, assim, a convivência. Assertividade e clareza surtirão efeitos muito melhores. Termino citando Gandhi: “Sejamos a mudança que queremos ver no mundo". Por que nos tratamos tão mal? Alguma vez você já parou para pensar nisso?
PEQUENAS VIOLÊNCIAS, MICROFASCISMOS 24/9/21 
Nenhum tipo de violência deve ser naturalizado. Nem mesmo as consideradas pequenas, inofen sivas. O bom dia sem resposta, piadas sem graça, homofóbicas, racistas, misóginas, bullyings. As sédios, declarados ou disfarçados. Fustigar crianças até fazê-las chorar. Maltratar animais. 
Tudo isso deve ser combatido, sinalizado, denunciado. Sem desculpas esfarrapadas dos agres sores. “Eu estava brincando. Eu tinha bebido. Você não tem senso de humor". Conversa fiada! 
Alegria e humor são fundamentais ao bem viver, mas o brincar tem hora, senso e limite. Afora isso, machuca, fere, humilha, vai matando devagar. Ninguém é obrigado a gostar e aceitar brincadeira babaca. O fascista costuma esconder-se numa máscara de brincalhão, mas quando confrontado ou contrariado, tende a ficar agressivo. Reparem bem. 
Essa coisa de que tudo é "mimimi", é uma generalização perigosa. Tudo é “mimimi”, até o momento em que algo te atinge. Respeito às diferentes sensibilidades e singularidades. 
Tenho combatido também o violento, o policial, o controlador, o fascismo, em mim. Infelizmente, como a nossa, patriarcal, classista, machista, todos temos um ranço disso, em maior ou menor escala. Essa batalha também é interna e exige auto-obser-
vação. Não deixo, por isso, de ser afirmativo e assertivo. 
O incêndio não nasce pronto, começa com pequenas fagulhas. As grandes violências, os regimes autoritários e totalitários, nascem da disseminação e naturalização das pequenas vio 
lências. Isso também é psicoeducação. Prevenção de transtornos mentais, suicídio, etc. Mais amor, mais sensibilidade. Todos nós precisamos.
SER PSICÓLOGO 
Para mim, ser verdadeiramente um Psicólogo é: Questionar o lugar comum, o discurso pronto, a verdade universal. O “É assim porque é, sempre foi, e sempre será". As relações de poder, dominação, violência, subjugação e alienação. 
É apurar constantemente a sensibilidade e a capacidade de percepção. É ter um profundo respeito e empatia pelo outro e seu sofrimento. 
É combater o preconceito e a intolerância para com as diferenças e singularidades. É descobrir as linhas nas entrelinhas, ligar os pontos, juntar as peças do quebra-cabeça. É estar receptivo, saber ouvir. Como isso é importante: Saber ouvir. É acolher e respeitar também o silêncio, percebendo o dito do não dito. 
Não é ser mágico, adivinho, nem mestre. É perguntar quando não se sabe. Não é trabalhar pela adaptação compulsória do sujeito a normas, pa drões e crenças impostas de fora. 
É sobre propor questões e ajudar a pensar com clareza, do que fornecer respostas e verdades absolutas. Até porque não as se tem. 
Mas operar no sentido de facilitar o encontro do sujeito consigo mesmo, com o seu sentido, com o seu desejo. E encorajá-lo a caminhar nessa direção. 
E pra você, o que é ser Psicólogo? O que você espera desse profissional?
DO AMOR E SUAS NUANCES 29/9/21 
O amor é livre e fluido, como a própria vida. Como tudo, está sujeito à lei da transformação. Pode acabar ou mudar. O caráter erótico 
diminuindo e adquirindo uma forma mais espiritual, virar uma amizade, que é uma das formas de amar. 
Temos dificuldade para saber o que é o amor. Ele é confundido com carência, conveniência, neces sidade, atração física, paixão. No capitalismo, ele sofre uma desintegração, sendo transformado em mercadoria. O tempo também. 
“No money, no love". “Time is money". 
Tudo o que não interessa aos imperativos do consumo, lucro e da produção, tende a ser desqua lificado e descartado. O ócio criativo é rotulado como vagabundagem, por exemplo. Não estou dizendo, com isso, que a vivência de um amor não necessite de alguma sustentação material. Claro, que precisa. 
Muitas pessoas querem colocar o amor numa caixa, para terem a ilusão de segurança. O casa mento é a institucionalização do amor. As juras feitas diante do padre. "Até que a morte os separe". Que absurdo! Como alguém pode prometer isso? 
Então, quando o amor finda, ou se transforma, elas
não sabem o que fazer. O status, os filhos, as aparências, o patrimônio, o que os outros vão dizer, etc. A culpa pela promessa não cumprida que foi feita diante do padre e da santa igreja. E todas essas merdas que só fazem arrebentar com a nossa cabeça. 
Estão presas nas correntes que elas mesmas criaram para si. Da duração do amor não temos nenhuma garantia,. A não ser a possibilidade de que, sendo verdadeiro, permaneça em algum nível, ainda que dentro da impermanência.
A LIBERDADE POSSÍVEL NOS 
RELACIONAMENTOS 
Seremos totalmente livres do ponto de vista psíquico? Até um determinado ponto, acho. Por quê? 
Ninguém pode, por exemplo, mudar a fonte dos seus desejos. O homossexual não pode tornar-se hétero, se quiser. Ou vice versa. Não existe, abso lutamente, cura gay. Isso é uma violência, um absurdo. 
Nosso desejo opera de determinadas formas, está estruturado dentro de certas inscrições. Isso se dá em períodos bem arcaicos da nossa vida, na relação com o outro que nos cuidou e fundou a nossa constituição desejante. Desse outro recebemos su 
primentos afetivos e, logicamente, também, faltas. Claro que vamos também nos reconstituindo, nos refundando enquanto sujeitos desejantes pela vida afora. Através de uma série de signos, de influ ências, de relações, de descobertas que fazem sentido para nós. Por meio, também, do que é político e da política. 
Mas existem traços imutáveis em cada um de nós. Marcas inconscientes que permanecem. É um grande engano achar que podemos mudar isso. É como querer alterar a nossa natureza, o nosso temperamento. Impossível. 
Vejamos, por exemplo, como se dão os relaciona-
mentos. Cada casal tem a sua forma de funcio namento. A atração se dá por uma série de fatores, incluso afinidades sociais, culturais e valorativas. Mas existe também um outro fator fundamental e determinante, o acoplamento inconsciente. 
Disso não se pode explicar por completo. São dinâmicas desejantes que se coadunam. Por exem plo, um pode ser mais fálico, ativo, líder, e o outro , mais passivo, submisso, dependente. 
Pode haver uma necessidade de um maternalizar e do outro ser maternalizado. E nisso podem haver locupletações, prazeres, gozos, ganhos, primários ou secundários, para ambos. 
Às vezes, também, outros fatores podem permear uma relação e servir como mediadores. A religião pode cumprir essa função, por exemplo. Não existe essa perfeição idealizada, zero neurose, diferenças, complementação total, cem por cento sadia. Tipo comercial de margarina. 
Existe o possível para cada um, dentro das suas realidades e necessidades psíquicas. E, se o possível de cada um, for aceitável para ambos, está tudo bem. Sem julgamentos. 
É uma ilusão achar que vamos mudar por completo o que somos. Pode-se amadurecer, fazer alguns ajustes aqui e ali. Trabalhar alguns excessos,
distorções. Mas só. 
O que um processo psicanalítico pode fazer por nós, nesse sentido, e nos ajudar a compreender e reconhecer como está estruturado o nosso campo desejante. Para que possamos nos arranjar de uma forma mais realista e satisfatória.
DO TEMPO. 
PSICANÁLISE REPETIÇÕES 
Tempo - Cronos, na mitologia grega. 
Abstração, angústia, alívio, ampulheta implacável, santo remédio, desgraça ou salvação? Depende do ponto de vista. O deus que devora seus filhos. O maior pesadelo humano é desaparecer no tempo, sem deixar nele nenhuma marca, nenhuma obra, nenhum feito, nenhum filho. 
É fato que precisamos dele para nos orientar. O tempo tem uma particularidade interessante, que é o ritmo. Podemos dizer que cada um de nós tem um ritmo próprio. E que cada um tem o seu tempo e uma relação singular com ele. Relação essa, subjetiva. 
O único tempo real é o agora, o presente. Afora isso, temos a memória, o passado. E o futuro, expectativa. A ansiedade é o excesso de futuro. E a depressão é o excesso de passado. Lembro da frase de uma amiga: "Não tenho esperança, tenho presente". Gostei, achei interessante. Sábia. 
Do tempo, justamente porque este possui um ritmo, não é bom estar nem atrás, nem à frente dele. Ele tem seu próprio timing. Pessoas, processos e situações também são assim. A questão é desenvolver a sensibilidade para perceber e alinhar-se a isso. Uma espécie de fluxo, coloquemos dessa forma.
Como está escrito no Eclesiastes bíblico, há um tempo para tudo. De plantar, de colher, de começar, de terminar. De entender, ou não, de aceitar, de lamentar, de chorar, de persistir ou desistir. É inútil tentar recuperar algo ou alguém cujo tempo já passou. As estações mudaram, tudo mudou, inclusive nós mesmos. 
Seria bom que deixássemos o passado e suas cargas para trás e entrássemos no presente , sempre frescos, renovados e.... presentes. Que deixássemos ir o que foi. Fácil? Nem sempre. Mas necessário. 
Falando em passado e presente, o que acontece com a maioria de nós infelizmente é uma grande repetição de padrões. Mudam os personagens e as situações, mas o enredo é sempre o mesmo. Estamos sempre representando os mesmos papéis, nos apaixonando pelo mesmo tipo de pessoa, nos colocando nos mesmos lugares, entrando nas mesmas furadas. Repetindo, repetindo. Isso nos enrola, nos embrulha. E condena o nosso presente e suas possibilidades de mudança, do novo, de fazer diferente. 
Tudo isso foi construído em nossa história, ao longo do tempo, na relação com o outro. Sujeitos, objetos de desejo, que nos constituíram e determinaram nossos papéis e destino através de suas falas, que são, para nós, imperativos.
Incluso está também a relação com a cultura na qual estamos inseridos, com seus costumes e ditames. Esse conjunto representa para nós o Outro (grande outro), na terminologia do psicanalista francês Jacques Lacan. Conjunto de discursos com os quais nos encontramos entrelaçados e presos, muito mais do que possamos conceber. 
O inconsciente é atemporal. E o seu tempo, lógico, não cronológico. Para citar, mais uma vez, Lacan. Nele, passado e presente se misturam. 
A meu ver, um dos grandes ganhos de um processo psicanalítico é podermos examinar e reavaliar a nossa intrincada relação com o Outro. A fim de nos libertarmos de decretos , discursos, que tanto mal estar e sofrimento nos causam. Dessa forma, podemos nos reposicionar frente ao nosso desejo e dar-lhe outra destinação, tomar uma nova postura, ocupar um outro lugar. Construir um presente que não seja a compulsória repetição do passado. 
E você, o que acha disso tudo? Qual a sua relação com o tempo, com o seu tempo? Aceita seu ritmo ou vive se comparando ao ritmo dos outros? Precisa de ajuda?
DO SILÊNCIO 24/9/21 
Quero, cada vez mais, falar menos. 
O mundo já tem muita prolixidade. 
Poucas palavras são necessárias para comunicar o que pensamos e sentimos. 
Na linguagem, sempre algo falta e escapa. Ninguém consegue entender e expressar tudo. É assim mesmo. 
É uma angústia, com a qual, cedo ou tarde, Precisamos aprender a conviver. 
O excesso de palavras cansa e desvia nossa atenção dos hiatos, dos vazios, dos lapsos, dos não ditos. Agride o natural. 
O silêncio é uma ferramenta poderosa e muito pode ser comunicado através dele. 
Nele, há oportunidades de oxigenação, refazimento, elaborações, compreensões, esclarecimentos. Somado ao mistério, são duas dimensões reais e importantes, mesmo poéticas, do viver.
GRATIDÃO E MUDANÇAS 
Todas as pessoas e situações, por mais desagradáveis e dolorosas que sejam, sempre têm algo a nos ensinar. Elas apertam nossos botões, nos mostram nossos pontos fracos, medos e vulnera bilidades. Às vezes também nossa falta de amor, de empatia, de autoestima ou coragem. 
Por isso, ao efetuar mudanças em nossas vidas, é bom que sejamos gratos a tudo que temos vivido. Acolhimento. As pessoas foram e fizeram tudo que lhes foi possível ser e fazer. E nós, também. 
Muitas vezes determinadas pessoas e situações já cumpriram suas funções em nossas vidas. E chegou a hora de mudar. Elas já nos espelharam o que tinham de nos espelhar. Mas é bom fazer isso de coração limpo, com as lições aprendidas. Dessa forma, poderemos continuar a nossa caminhada na escola da vida, de forma ascendente. E, caso contrá 
rio, permaneceremos sempre no mesmo ponto, prisioneiros das nossas mazelas mal resolvidas, como um aluno que repete e repete de ano. 
Antes de condenar as pessoas por suas atitudes e reações em relação a nós, é bom perguntar que ação nossa pode ter causado isso. Reação contra reação e estaremos sempre reagindo, e nunca agindo e sendo assertivos e afirmativos. 
Não devemos esperar que o outro seja o que quere-
queremos que ele seja, que ele compreenda, que ele isso, que ele aquilo. Devemos esperar e trabalhar em nós. A única mente que podemos observar e trabalhar é a nossa própria. 
Exercitando o acolhimento pelo vivido e a gratidão, podemos mudar e realmente nos libertar do passado, sem ficarmos presos a rusgas, feridas e rancores. E que cada novo dia e fase sejam real 
mente novos e frescos. 
Fácil de falar, não tão fácil de fazer. Mas de que adianta ficar (re)moendo, (re)clamando, (re)ssen tindo? Vamos tentar?
SOMOS ESPAÇOS DE PASSAGEM 1/03/22 
Viver de verdade é dar passagem a algo além de si. Abrir- se para ser o veículo de manifestação das forças cósmicas. 
Esse algo vem através do eu, mas é muito maior do que o eu. Por isso, é feio quando os egos se inflam e se arrogam ser os donos das criações. 
Permitir-se ser tomado e seguir o inesperado, o novo, o acontecimento, o devir. Ter filhos é dar passagem. Escrever, pintar e compôr, também. A previsibilidade excessiva paralisa e retira o frescor e a poesia da vida. 
"Se não fordes como crianças, não entrareis no Reino dos céus.", já dizia o mestre. A criança é sempre fresca, renovada, inocente. Que sabemos nós da vida, da verdade, do outro? Por quê temos essa pretensão de querer definir e rotular as pessoas? 
Uma pessoa é sempre mais do que podemos, a princípio, perceber. Nela sempre mora um espaço vazio e imprevisível. Um espaço de passagem. Principalmente se for uma pessoa de verdade. Também é preciso deixar passar. 
O que já foi, o que não tem mais sentido.O que não é, nem vai ser. Deixar de carregar esqueletos, corpos mortos. E saber passar pelos acontecidos sem importância, que não valem aderências e identificações maiores. Simplesmente passar. E dei-
deixar, soltar, esquecer. 
Quem vive só em si, enclausurado em mini certezas preconceituosas e medíocres, já está morto. Ainda que esteja vivo. Quem olha e cria para além de si, permanecerá sempre vivo. Ainda que, porventura, já tenha morrido. A eternidade mora no espírito. Somos seres feitos de passagens.
TODAS AS RAZÕES PRA ESQUECER 1/03/2020 
Assisti na Netflix ao filme com esse título. Antônio, o protagonista, é um rapaz comum, que trabalha como designer e mora junto, há dois anos, com sua amada, Sofia. 
Ele, no entanto, apresenta grande dificuldade em reconhecer e comunicar seus sentimentos, sejam eles bons ou ruins, de satisfação ou insatisfação. Ou não diz nada, ou faz rodeios e mais rodeios, de forma prolixa, sem nenhuma assertividade. Isso gera uma crise em sua relação com Sofia, que acaba sentindo-se apartada e isolada nesse contexto. 
Cansada de sinalizá-lo a respeito e insistir em sua mudança sem resultados, ela separa- se dele. Não sem antes fazer- lhe muitas vezes a simples e fatídica pergunta que o permeará e perturbará durante todo o filme: "E aí, Antônio, é só isso que você tem pra dizer?" 
Do ponto de vista psicanalítico podemos dizer que Antônio é um jovem mergulhado num alienante discurso coletivo. Distanciado de sua singularidade e desejo, ele tampouco tem condições de reconhe 
cê-lo e bancá-lo. Não consegue assumir uma postura perante si mesmo, os outros e a vida. Fica, dessa forma, à deriva, sem tomar posição, repe tindo falas e pensamentos do senso comum. 
Separado de Sofia, Antônio vai morar com a prima, que tem afeto por ele e o acolhe, apesar de s
casada e ter uma relação difícil com o marido. Nosso protagonista pensa que será fácil esquecer a ex , que tudo correrá "normalmente" e em breve ele estará seguindo a vida, ficando com outras, como" todo mundo faz". Tinha todas as razões para esquecer. Mas não esquece. 
A lembrança dos momentos felizes, a saudade e a tal pergunta dela o perturbam diuturnamente, trazendo- lhe ansiedade, culpa, tirando- lhe o sono e a concentração. Sabe, ainda que inconscien 
itemente, que a indagação que Sofia lhe faz, onde conclama-o a posicionar-se enquanto sujeito dese jante, é fundamental para a sua sobrevivência subjetiva. Sua prima então recomenda-lhe que se 
consulte com sua psiquiatra e ele acaba aceitando. Imerso num quadro depressivo, Antônio cai no típico drama do homem pós moderno. Para preencher seu vazio e angústia, afunda-se em vícios, drogas, pornografia. Faz cadastro em aplicativos de relacionamento e vivencia toda a frustração das relações superficiais, esvaziadas de base afetiva e conteúdo. Torna-se de vez mais uma vítima da Modernidade Líquida (ver Zygmunt Bauman), uma era onde tudo e todos são descartáveis. 
Cada vez mais perturbado e sem conseguir falar de si, pede à sua psiquiatra que lhe receite remédio=
remédios adicionais para que não sinta o que está sentindo. O filme mostra bem os sintomas da sociedade contemporânea: A medicalização e a patologização da vida e da psique, a exterioridade, a pressa, a negação do processo de luto, a extrema dificuldade com o sentir e o contato consigo mesmo. 
Vendo-o acuado num beco sem saída, tendo que conviver, além do sofrimento psíquico, com os efeitos colaterais dos remédios, a psiquiatra o convoca de forma definitiva a encarar sua dor e os reais motivos dela de frente. E talvez ele, muito cansado, comece a aceitar que terá de lidar com suas questões de uma nova forma. Talvez comece a entender que sentimentos são para serem acolhi 
dos e sentidos, não negados. E que sintomas nos mostram que algo não está bem, que algo deve ser reconsiderado e não negligenciado, no sentido de um encontro mais pleno consigo mesmo. Ou talvez não. Talvez também recupere a relação com Sofia. Ou talvez não. Mas o fato é que se recuperar a si mesmo já terá dado um grande passo. 
" E aí, Antônio!? É só isso que você tem pra dizer?"
UM RETROCESSO PERIGOSO 22/08/20 
A moral é essencial à vida em sociedade. É um código de conduta, ética sem a qual nos seria impossível conviver de forma minimamente harmoniosa e respeitosa, sem nos conflitarmos e digladiarmos o tempo todo. Admite, no entanto, o uso da racionalidade eflexibilização, dentro dos limites daquilo que é considerado bom senso. 
O moralismo não. Esse é uma deturpação. Sempre de dedo em riste, radical, inflexível. 
Maldizendo, acusando, julgando, condenando. Em nome de Deus, da família, da pátria e dos bons costumes. Assim como o dogmatismo e o fundamentalismo são a sombra da religião, o moralismo é a perversão da moral. 
Vivemos hoje no Brasil um perigoso retrocesso; nesse, e em muitos outros quesitos. Tomemos o caso dessa criança capixaba de dez anos, que era abusada pelo padrasto desde os seis, engravidou e a família optou pelo aborto. A legislação nesse país prevê a legalidade desse ato quando executado em decorrência de estupro; o que foi o caso. Soma-se a isso o fato de ser uma menina em tenra idade, e que claramente corria risco de vida se tivesse o bebê. 
Não bastasse o trauma a que já estava submetida, essa jovem teve ainda sua privacidade violada por uma figura doentia, invasiva e perniciosa, conheci-
da na mídia como Sara Winter. Essa pessoa expôs em seus canais de comunicação o fato e a locali zação do hospital aonde seria realizado o proce dimento. Tal ato gerou a aglomeração de fanáticos religiosos no lugar que aos gritos tentavam impedir o " assassinato ". 
A questão do aborto é polêmica e divide opiniões. Ninguém, ou quase ninguém, em sã consciência, gosta de fazer isso. Sabe-se muito bem que é traumático para a mulher. No entanto, a criminalização não impede que sejam realizados milhares de abortos por mês no Brasil. E existe uma realidade: Quem pode pagar por boas clínicas, passa pelo procedimento sem maiores danos. Ao menos físicos. Mas as mulheres que não podem arcar com esse tipo de custo, geralmente morrem, utilizando serviços clandestinos e de má qualidade. 
Será que criminalizar é mesmo o melhor caminho? Não seria melhor legalizar dentro de certos limites, inserindo dispositivos de educação e concien tização sobre a gravidade da prática e o respeito à vida, como é feito em outros países? 
Desconfio das boas intenções de uma pessoa como Sara Winter. Diz-se defensora da vida, mas tira foto empunhando armas. Em nome dessa mesma defesa, comete um crime, expondo essa já sofrida menina à injúria pública. Além de várias ou-
outras falas e atos de evidente desequilíbrio e agressividade. Aliás, bem ao estilo do seu líder inspirador, o chefe maior do Executivo. 
Ela é aquela que se diz cristã, mas que apedrejaria sem remorsos uma adúltera ou prostituta. Por quê não se mobiliza em relação à outras pautas? Os moradores de rua, o extermínio dos indígenas e camponeses pelos latifundiários, os meninos negros nas favelas mortos "por engano" pela polícia, o trabalho escravo, o feminicídio, a fome, etc. Não seriam essas também formas de destruição da vida? 
Por isso, a conduta dela me parece muito mais a de uma oportunista e mau caráter, do que qual quer outra coisa. 
Apontam-se muitos dedos para as vítimas de estupro e pedofilia, mas essas questões não são pensadas como problemas de saúde pública e estruturais em nossa cultura. A proposta de castração química dos abusadores nada mais é do que atacar o efeito, sem cuidar da causa. No cerne desse problema, estão vários pontos como: machismo arraigado, preconceito, tabus, medos, omissões, moralismo, fanatismo e fundamen talismos religiosos. Isso é que precisa ser trazido à luz e debatido , bem como devidamente punido es-
se tipo de crime. 
Os abusos muitas vezes acontecem no seio das próprias famílias e igrejas. Lugares que deveriam oferecer acolhimento e proteção. O Brasil é hoje o país das inversões. 
A fé, que deveria libertar e promover a vida; aliena, oprime, explora, maltrata e aprisiona. Quem ousa pensar e querer um país mais democrático e 
justo, é rotulado de comunista e bandido. "Leitura é coisa de elite", como disse o Paulo Guedes recentemente. Vivemos uma era de ideologia totalitária, que chega a ser medieval em muitos aspectos. Estranhos e obscuros caminhos toma a nossa pátria.
CRISE E OPORTUNIDADE 
Na crise, a oportunidade. O dia em que a terra parou, como na música de Raul Seixas. O mundo de cabeça pra baixo. Outros ângulos, opostos aos habituais, se apresentam. Chance para mudar a forma de ver, de pensar, de sentir. O ar mais puro, os rios e mares mais limpos. Na Espanha, touradas são canceladas e os touros são poupados daquele ritual covarde e insano. Aqui o governo está sendo obrigado a olhar para os menos favorecidos. A miséria não está podendo ser, como sempre foi, ignorada. A importância e o valor de certas categorias de trabalhadores, antes praticamente invisíveis tem sido descoberta, como por exemplo, os profissionais de saúde. 
Estamos sendo convocados por esta situação a olhar para dentro, coisa que nas condições normais de temperatura e pressão, não gostamos muito de fazer. Ou fazemos até a página cinco. Confinados em casa, temos que forçosamente estar mais com nossos familiares. Isso pode ser muito bom e também pode ser complicado. Nossas habituais rotas de fuga estão fechadas e torna-se impres 
cindível exercitar a arte da convivência. Não estamos podendo nos tocar, nos abraçar, nos beijar. A vida, que já estava virtualizada, virtualiza se ainda mais. Mas pode ser bom para repensarmos
nossa relação com o amor, com o afeto, com a solidariedade. Como temos vivenciado estas coisas? Ansiamos para que tudo volte ao normal, mas esquecemos que nada, nunca, foi normal. A 
violência, a ganância, a corrupção, o egoísmo, o individualismo, a competição exacerbada, a misé ria, a profunda desigualdade social, o massivo adoecimento psíquico, que o nosso modo de vida nos impõe. Nada disso, a meu ver, pode ser considerado normal. 
Crise é sinônimo de oportunidade. O momento é complexo. Vivemos sentimentos ambíguos. Mas estamos tendo a chance de rever muitas coisas a nível pessoal e coletivo. É uma pena que seja dessa forma, com a ameaça desse vírus, mas talvez seja a única maneira que a natureza tenha encontrado de se comunicar conosco.
O ZÉ NINGUÉM E A GUERRA 06/03/22 Reflexão inspirada no livro " Escuta, Zé Ninguém", de Wilhelm Reich.
Guerra. Dois ou mais imbecis se desentendem e o resto do mundo paga por isso. E você, Zé povinho, Zé ninguém, quando parará de eleger seus algozes? Por quê continua delegando sua vida a insanos, tiranos e ladrões? 
Até quando preferirás continuar a comer osso a rever tuas teimosas convicções? Até quando alimentarás teu misticismo infantil e alienado? 
"Entrega na mão de deus. Jesus vai voltar, Jesus vai fazer, Jesus vai resolver. A espada brandirá...". Não percebes que és manipulado e que isso adia tuas soluções e perpetua teu velho imobilismo? 
Não! É permitido dizer tudo, menos a verdade! Ela dói. Preferes, talvez, morrer, a saber dela.. Ver desmoronar teu mundinho, teu cercadinho de ilusòes. Não ouse criticar o povo! Já sofre tanto, coitado. "Povo bom, ordeiro, obediente". É assim que os políticos gostam. 
Aqui no Brasil, estamos governados pela pior escória. O deputado "Mamãe falei" é financiado para ir à Ucrânia, tirar proveito da situação e falar besteiras sobre as já tão martirizados mulheres de lá. Entre outras tantas asneiras, idiotices, igno 
râncias e retrocessos que vemos por aí todos os dias. A maldade sendo referendada e aplaudida sis tematicamente. 
Como se o ressentimento e as piores perversi dades fossem nos vingar e redimir dos erros do governo anterior. O neofascismo e o neonazismo são tidosagora como nossas grandes soluções. O pior da peste emocional se manifestando. 
Não, Zé Ninguém, você tem lutado na guerra errada. Tem travado a batalha que os poderosos querem e sempre quiseram que você travasse. Persegue os seus pares, os seus irmãos, os seus filhos, a sua mulher. 
Rotula toda sexualidade diferente da sua como viadagem. Quer ficar rico para morar na zona sul e ter o carro do ano. Bajula o patrão, o governante, o opressor. Diz que o racismo não existe. Define todo sofrimento que não entende como " mimimi". Defende e exalta o "capitalismo", sistema que te adoece e aniquila, sistematicamente. E por aí vai. 
O Apocalipse está se cumprindo porque você o está cumprindo, Zé Ninguém. É mais fácil para você crer em e alimentar destinos prontos e imutáveis. Dessa forma, não tem que sair da inércia e responsabilizar-se por seus caminhos. Tudo piora porque você só piora. 
A sua fé precisa se renovar. Necessita aprender a crer no poder da união, da educação, do mutirão, da solidariedade, da lucidez, do movimento, da indignação, do amor, da ação. Da vida viva e não da
letra morta. Você tem que aprender a combater da forma certa. E a saber quem são e lutar contra seus verdadeiros inimigos. Um bom começo é não ser, como sempre foi, inimigo de si mesmo. Só poderemos ter alguma esperança quando a verdade começar a ser dita. Pronto, falei. 
“Faz parte do meu respeito pelas pessoas expor-me ao perigo de dizer-lhes a verdade". Wilhelm Reich
UMA NOVA ECOLOGIA 
Assisti, ontem, a uma live entre o jornalista André Trigueiro e o líder indígena, ambientalista e escritor Ailton Krenak. O tema da conversa foi sobre o livro de Krenak chamado "Idéias para adiar o fim do mundo". Penso que devemos escutar mais homens como ele. Nesses tempos que vivemos, onde a única certeza é a completa incerteza, sua mensa 
gem tem sido um alento, e apontado luzes no fim do túnel. 
Chegamos a um momento limite como Humanidade. Todas as nossas teorias, filosofias e sistemas de pensamento, não podem nos ajudar muito, agora. O mundo está desabando e não sabemos o que fazer; não só pelo Corona vírus. Na minha visão, ele deve ser encarado como um dos sintomas de uma engrenagem social decadente, insustentável. Precisamos de uma Nova Ecologia, em todos os sentidos. 
A natureza está sendo tratada como um super mercado. Estão extraindo dela muito mais do que o necessário, como disse ontem, o Krenak. A sede de poder, a ganância, a voracidade dos mercados e da sociedade de consumo não têm limites, não têm ética, destroem o planeta, destroem a vida, em todas as suas manifestações. O deus mercado nos aliena de nós mesmos, de nosso semelhante, e da natureza. Estamos reduzidos a códigos, números, Cp
CPFs. Consome-se para viver, e vive-se para consumir. O capital decide tudo, inclusive quem deve viver e quem deve morrer. 
Krenak diz – e concordo com ele – que; a Mãe Terra é um organismo vivo que se comunica conosco. E, nesse momento, está nos devolvendo a forma como a temos tratado, e como temos nos tratado, enquanto irmãos e semelhantes que deveríamos ser. Está nos dizendo: "Calem-se, fiquem quietos. Aprendam a me ouvir." 
Somos filhos da natureza e nos afastamos muito dela e de sua sabedoria, inclusive do saber de ho mens como Krenak. O Homem, principalmente o ocidental, deificou a razão, achou-se onipotente. Senhor da ciência, pensou que iria controlar e dominar a natureza. Ledo engano. Nunca seremos maiores que ela. Somos parte dela. 
Os avanços científicos são importantes e devem continuar, claro. Mas não podemos reduzir tudo a isto. Não podemos achar que as vacinas nos livrarão e eximirão de tudo, inclusive das mudanças que precisamos fazer se não quisermos ser extintos. Sim, extintos. Não vejo muito futuro se continuarmos nessa batida atual, e não desper 
tarmos para valores éticos mais altos. Tudo nos mostra isso. 
Não podemos aceitar de volta, um mundo inacei-
tável. Um sistema que mata, explora e oprime. Uma elite perversa, manipuladora, que deseja imprimir a perpetuação da desigualdade e dos seus privilégios, doa a quem doer, custe o que custar. 
Em nosso país, temos uma classe política que não nos representa que nos rouba e nos desrespeita sistematicamente. A cultura, a arte e a educação, que são os alicerces de uma sociedade evoluída, estão sendo propositalmente destruídas. 
Ainda não é fácil para nós, pensar as questões de forma sistêmica e coletiva, mas acredito que, só assim, poderemos vislumbrar soluções para os nossos males. 
A estratégia do poder dominante é justamente nos dividir para nos enfraquecer. O que importa, é sermos homens e mulheres de sucesso, deixando o resto para trás. Um sucesso imposto e questionável. Cego. É a cultura do individualismo e da competi 
tividade. Parece que achamos que tudo vai se resolver num futuro próximo com a descoberta da vacina para o vírus, e pronto: tudo vai voltar ao normal. Problemas sempre existirão, mas vida que segue. Por tudo que tenho lido, ouvido e percebido, não creio... urge que façamos mudanças. 
A nível de prevenção, e cuidados para com o vírus, literalmente, e a nível de reformulação social. Chegou a hora de despertar.
Todos somos responsáveis e, de alguma forma, fazemos parte de tudo que acontece, por ação ou omissão. Precisamos delegar menos aos outros, aos políticos. 
Precisamos, todos, cada um dentro de suas especialidades e possibilidades, não apenas cuidar dos efeitos produzidos por uma sociedade doente, mas nos tornar parte ativa na luta contra tudo o que ameaça a vida. Uma Nova Ecologia afetiva, econômica e política deve começar, já. Primei ramente, dentro de nós, no cotidiano, nas micropolíticas e, depois, fora: nas macropolíticas.
HESSE, UM LOBO NA CONTRAMÃO 3/8/20 
Acredito que o grande escritor, não é aquele mais rebuscado, culto, prolixo, mas sim, o que toca o leitor de ser para ser. O gênio impressiona não por sua capacidade de apontar o difícil, mas, justamente, o simples, o óbvio que, por diversos motivos, não conseguimos ou não queremos ver. 
O escritor alemão Hermann Hesse (1877-1962), pertenceu à esta classe de homens. Sua trajetória foi a de um rebelde, em busca constante pela autolibertação e independência; da renúncia ao destino que sua família e pátria queriam lhe impor. Disse não à educação castradora, quebrantadora da vontade, ao nazismo, aos grilhões da burguesia e às instituições. 
Nele, a verdade não vem de fora, através de teorias, doutrinas, filosofias e religiões; ela é original, conquistada pela vivência e contatos mais íntimos e profundos com o seu ser. Foi o escritor do humano por excelência, bem como da aceitação e síntese das contradições da alma humana. Em sua obra, idênticas e uma só eram o pecado e a santidade, a sabedoria e a loucura, a vida e a morte. 
O grande escritor também é eterno, sempre atual. Tudo aquilo contra o qual ele se insurgiu, de certa forma, permanece. Ainda hoje nos vemos às voltas com os fuhrers, com os nazistas e fascistas da vida. Mudam os discursos e as formas, mas a essência do to
totalitarismo permanece. O homem continua sendo o lobo do homem, e os grandes homens são quase sempre incompreendidos e/ ou sacrificados (Cristo , Gandhi, Lennon, Luther King, etc.). "O burguês queima hoje por herege e enforca por criminoso aquele ao qual amanhã levantará estátuas". "Muitos homens que passam por "normais" e até por valiosos membros da sociedade são loucos incuráveis e, por outro lado, muitos que passam por loucos são verdadeiros gênios". As religiões, em sua maioria, continuam alienando, infantilizando e criando fanáticos. 
Outros grandes literários – como, por exemplo, Dostoiévski – souberam, como ninguém, revelar as nossas grandes sombras e fraquezas. Hesse não fica atrás, embora sua grandeza não possa ser medida totalmente pela conquista do Prêmio Nobel de literatura em 1946, glória máxima a que aspira todo escritor. Mas, justamente, por ter ido além, tocado o transcendente, oferecido saídas aos principais questionamentos e angústias que tanto nos afligem. E as oferece não com a arrogância de quem julga tudo saber, mas sim, como um observador da vida: com humildade e simplicidade. Como o perso nagem Vasudeva, de seu livro "Sidarta", cuja maior lição passada ao seu amigo, (protagonista da história), foi justamente o aprendizado da escuta do rio e do que ele queria lhe dizer. E, às vezes, o rio
não dizia nada, era preciso aguardar. Aprender a esperar e a escutar. Parece fácil, mas quantos de nós conseguimos isso realmente? 
Homem que experimentou dores, separações, sucessos e fracassos, incompreensões, críticas injustas... que andou pelos caminhos e descaminhos da existência, mas que nunca abriu mão da sua autenticidade e verdade mais profundas. 
Hesse "só para raros, só para loucos. Entrada ao preço da razão." Era essa a inscrição na entrada do Teatro Mágico, no livro "O lobo da Estepe", clássico de 1927. Muito mais se poderia dizer sobre esse mestre, mas, por ora, vou ficando por aqui. Ele chegou à imortalidade, principalmente por ter vencido – em si – o maior dos medos humanos, que é o medo de ser.

LUA CHEIA EM TOURO INVOCAÇÕES DE CURA 
31/10/20

Sol em Escorpião oposição à conjunção Lua Urano em Touro 
Hoje queimo o passado, com todos os seus erros e acertos, aceitando que fui quem podia ser e fiz o que estava ao meu alcance, com os recursos que tinha na época. 
Hoje me libero de sentimentos, pessoas, coisas e situações às quais tenho me aferrado e esse apego tem me feito sofrer. 
Hoje abro mão do controle excessivo e deixo que tudo e todos sigam o seu fluxo e ritmo naturais. Hoje me permito ser quem sou plenamente, sabendo que não posso, muito menos preciso, agradar a todos. 
Hoje ilumino, fortaleço e empodero minha Essência, me libertando da egóica insegurança e necessidade de aprovação alheias. 
Hoje silencio e aprendo a escutar e observar, estar aqui e agora. Me libero das dúvidas e ditames da minha personalidade, conectando- me à alma e sua guiança, sabendo que é aí que está a verdadeira sabedoria e todas as minhas respostas. 
Hoje me libero de temores de escassez em qualquer sentido, e me entrego ao infinito fluxo de abundância e amor existente no Universo. 
Hoje deixo de exigir que tudo seja do meu jeito, e me coloco à disposição do Servir, da melhor forma possível. 
Hoje finalizo o que tenho que finalizar, tomo as decisões que preciso tomar; e dou um salto de consciência. Assumo o meu lugar na Evolução. Renasço plenamente.
PASSAGEM DE ÔNIBUS 
Sábado à noite. Estava a fazer meu habitual trajeto de ônibus, do Centro de Niterói até o bairro onde moro, no Fonseca. Entrei no coletivo, paguei a passagem. A minha frente, encontrava-se um rapaz. Bem jovem, devia ter uns dezessete, dezoito anos. Encostava repetidamente o cartão de passagem no visor, mas deste não saía o esperado sinal de "passe". 
Vendo que eu aguardava , o sujeito me cedeu a vez, ao que atravessei sem problemas a roleta, e passei. Avistei um assento vago no lado esquerdo, por ali mesmo. Sentei. Nesses instantes iniciais de viagem, permaneci por algum tempo observando, relaxadamente, tudo. Mas sem fixar-me em nada. Porém, voltou logo a chamar- me atenção o tal rapaz. 
Existia nele algo de simpático, doce, afetuoso. Ainda não tinha conseguido passar. Comunicava - se com uma pessoa que estava sentada nas fileiras do meio. Uma mulher, moça. Esta, pouco depois, dirigiu-se a um assento paralelo ao meu, do lado direito, a fim de ficar mais perto dele. 
Abriu a bolsa, retirou um outro cartão de passagem. Entregou ao rapaz. Ele tentou, encostou no visor. Várias vezes. Será que agora ia? Não.... A viagem seguiu. Estávamos ali quase entrando na avenida da rodoviária. Da conversa entre o rapaz e a
a moça, que logo percebi tratar-se de um casal de namorados, consegui entender que estavam vindo de Icaraí, um bairro próximo, e que haviam usado os cartões de passagem no ônibus de mesmo número, pouco tempo antes. 
Ele, então, conversou com o motorista, explicou a situação, diz que não estava conseguindo passar. Este lhe diz que não havia dado tempo suficiente para que o cartão fosse reutilizado com sucesso. O impasse permaneceu. O casal se entreolhava. Conversavam , agora, em silêncio. A ansiedade aumentava. Entre os balbucios emitidos por ele, pude ler: "Que merda. "Ele me olhou, disfarçou um 
pouco, mas a sua expressão era de menino pidão. Queria que eu o salvasse daquela situação. Inter pretei sua demanda assim: "Paga a minha passa gem?" 
Senti um impulso de sacar a carteira e liquidar a situação. Dar uma de paizão, herói salvador. Ainda olharia para ela, a namorada, por sinal bonita. A idade devia regular com a dele, e diria: "Tá aqui, ó, pronto!". Meu outro impulso era gritar para ele:" "Ah, pula logo essa roleta, cara!" 
Hesitei. Me contive. Pensei: "Que ganho eu, sempre a querer tapar o buraco, a falta das pessoas?" Os dois já são bem grandinhos, precisam aprender a calcular esses tempos de recarga dos car-
cartões. No entanto, permaneci atento à situação. Como se eu fosse imprescindível, e eles não pudessem resolver sem mim. Que ilusão de importância temos às vezes, não é mesmo? 
Acabei fazendo uma pergunta idiota para a moça, daquelas que se faz quando se está ansioso. "Vocês não tem quatro reais para dar ali?". Claro que não. Se tivessem, já teriam dado. Ela responde: "Não temos. Só saímos com esses cartões. "Perguntei a ele: "Onde você mora? "Ao que ele responde: "Aqui no Fonseca mesmo". 
Viagem continuava. Ela olhava para ele, queria protegê-lo, tirá-lo daquela situação. Estava ansiosa. Cheguei a ficar com uma ponta de inveja do incauto... Inveja!? É, inveja... Nós, seres humanos, tão cheios de claros e escuros... Lembrei da frase freudiana:" 
Seríamos melhores, se não quiséssemos ser tão bons. "Falando em Freud, meu superego me cobrava : "Seu sádico! Pague logo a passagem do menino!". "Menino", vejam só... Às vezes, esse tal de superego é um monstrinho bem cruel. 
Viagem seguia. Estávamos agora adentrando um túnel, que ia dar num lugar chamado "Ponto Cem Réis". Já era o bairro do Fonseca, onde moramos. Disse ao rapaz, em tom afirmativo e paternal: " Pergunte ao motorista se ele vai deixar você descer
pela porta da frente". Se não deixasse, eu iria pagar a passagem. Não iria permitir que o "menino" ficasse preso. Como se ele não pudesse simples mente evadir-se por conta própria, quando a porta da frente do ónibus abrisse. 
Ele falou com o motorista, que consentiu em deixá-lo descer, quando chegasse o seu momento de saltar. Estávamos, nesse momento, próximos a um colégio chamado Nossa Senhora das Mercês. Ele resolveu tentar passar novamente o cartão, e de repente... sinal verde! Ufa! 
Passou de peito aberto naquela roleta, triunfante, quase como quem escapa de um campo de concentração. Fez para mim um sinal de ok, e exclamou : "Valeu, irmão"! Sentou logo ao lado da namorada. Acenei para eles, exclamei: "Isso é para fortalecer o amor!" Lembrei tanto de meu pai quando falei isso.. Ele tinha essas tiradas engra 
çadas. 
A moça, aliviadíssima, sorriso aberto, de orelha a orelha, deu uma sonora gargalhada, e disse : "Pois é! O perrengue, né!" Logo depois, levantaram-se para saltar do ônibus. Haviam chegado ao seu destino. Passaram por mim, alegríssimos, e me fizeram, novamente, um gostoso sinal de ok. 
Fiquei feliz por eles. Isso alegrou minha noite. Fica
Ficarão mais juntinhos, mais unidos, depois dessa situação em que vivenciaram, momentaneamente, uma falta, uma pequena distância. Com isso, distraí-me um pouco. Atenuaram-se, ao menos momentaneamente, as dores da minha alma.

ORAÇÃO DA POESIA Reverbera, poesia! 
9/9/21

E desperta as almas, corre pelo mundo, Derrubando os muros, dos corações duros, Desfazendo amarras, nos tocando a fundo! 
Reverbera, poesia! 
E desce o Cristo da cruz, 
Liberando a epifania, trazendo toda alegria, Aliviando toda dor, transmutando tudo em Luz! 
Reverbera, poesia! 
E abre as mentes pequenas, que 
estão aí às centenas, 
Traz as meretrizes, colore o carnaval, Alento aos infelizes, expurga de todo mal! 
Reverbera, poesia! 
E ilumina o ressentido, retirando todo espinho, Abrindotodo caminho, dando voz ao excluído, Espantando a todo tédio, 
Em tudo, hoje, agora e sempre, 
Vem ser nosso remédio! 

TENTATIVA DE UM POEMA 
Caminho na cidade, 
Solidão coletiva, 
Muitas vozes falando, 
Mas não dizendo nada. 
O dinheiro compra tudo, O amor, fora de moda. 
Quanto vale um sentido? Agora não temos, senhor. Talvez chegue mês que vem. 
As ruas, sempre cheias, 
Quase não dá pra se andar, Dizem que isso é progresso. Os homens sabem muita coisa, Só não sabem como amar. 
Me perguntam quem eu sou. Não sei. Fui arremedo de poeta. Tentei, sonhei, e amei na vida. 
Procuro um parafuso, 
Remendar um dia inócuo, Ela queria me vender um carro, 
31/03/22

Mas eu só queria pagar- lhe um café. 
A noite vai chegando, Peçoum sorvete, 
Não há mais doce algum. Até, mundo. Até. 
Mais um dia em que andei, Sem chegar a lugar nenhum.

POEMA DO ESTRANHO 
O que é isso em você? 
Que quanto mais tenta negar Mais parece reforçar. 
6/3/20

Que quanto mais tenta controlar Mais parece escapar. 
Que quanto mais você fala 
Menos consegue dizer. 
Que quanto mais você pensa Menos consegue entender. 
Que quanto mais você anda Mais fica no mesmo lugar. 
Que quanto mais você grita Menos consegue calar. 
Desafia a lógica 
Deixa mudo 
Côncavo, convexo, perplexo: Absurdo. 
Que se repete 
Inverte, subverte 
Se rebela. Enlouquece. 
Destino, desejo, desígnio, maldição? Deixo o nome, ou a falta dele, A critério de cada um. 
O que é isso? 
Que talvez você não queira 
Mas que é seu. 
Ninguém pode mudar em Essência... O Eu.

CORPOS 
15/9/21

Dóceis, docilizados, domesticados 
Alienados, rígidos, militarizados 
Presos, fixos, capturados. 
Corpos da burocracia e da produção 
Corpos do dever, mas sem devir 
Corpos pernoitados, precarizados, 
Despotencializados, consumistas, 
Consumidos. 
Tem que, tem que, tem que 
Escravos servindo ao mestre Capital 
Bate no peito, sacrifício orgulhoso 
Ah, mas eu trabalho!! 
Em nome de deus, da pátria, 
Do pai, falo, falocêntrico, 
Em nome da família, da moral, 
E dos bons costumes. 
Prende, cala, fica quieto, respeita! 
O cidadão de bem é o maior inimigo do guerreiro. Corpos com corpos 
Corpos contra corpos 
Composições versus decomposições 
Bons e maus encontros 
Corpos desviantes, eróticos, 
Fora da curva, fora da caixa, 
Linhas de fuga, desejo indomesticado. 
Corpos da diferença. 
Dos modos outros de ser e existir. Corpos alegres, tesudos. 
Potentes, criativos. 
Preciso urgente me (des) educar Já dizia Rimbaud, 
Por educação, perdi minha vida.

VIDA 
19/2/20

Vida mãe, vida madrasta 
Vida simples, vida complexa Vida eterna, vida efêmera Vida ampla, vida medíocre. 
Vida palpável, vida inefável Vida na terra, vida no céu Vida perecível, vida invencível Vida justa, vida cruel 
Vida de amor, vida de dor Vida de uns fácil, de outros difícil Vida de espinho, vida de flor. 
Vida de reto, vida de torto Vida de são, vida de louco Poucos com muito 
Muitos com pouco. 
Vida... 
Moram em ti todos os opostos Todos os mistérios 
Todos os porquês. 
E talvez , possa te compreender, Um monge do Nepal. 
Ou talvez Nietsche, 
Além do bem e do mal.

SONETO AO MESTRE OSHO 
19/2/20

Osho, mestre alegre, amado e querido, Ousado, genial, criativo e diferente, 
Veio, acordado, despertar a toda gente Sacudir o velho, reacionário, empedernido 
Eu, sem demora, anseio provar desse manjar, O mundo é angústia, miséria, ilusão 
Eu quero, mestre, ser um sanyasin 
Alguém que apeou da roda do Sansar 
Místico, sufi, bassideu, cristão, 
Budista, taoísta, judeu, maometano 
Exímio conhecedor de cultura, filosofia, religião 
Tirou das linhas, visões, de toda tradição De forma simples, profunda, como um arcano A essência de toda consciência, amor, revolução 

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