MEUS SONETOS DE AMOR J.G.

 José Guilherme de Araújo Jorge 

 

Meus Sonetos de Amor 

 

Colectânea 

 

 

 

 

 

1ª edição 

1961 

 

 

 

O Soneto 

“poema com quatro estrofes” 
 
Soneto é uma forma de expressão literária: compõe-se de 14 versos, geralmente decassilábicos, agrupados em duas quadras e dois tercetos (segundo a tradição italiana) ou em três tercetos e um dístico (segundo a tradição inglesa). 
Dada a sua estrutura fixa, o soneto requer grande concentração  emocional,  por  parte  do  escritor. 
A estrutura do soneto permite escrever num modelo de tese  e  antítese,  seguidas de uma conclusão, expressa no último  terceto ou no  último verso desse terceto, a chamada ” chave-de-ouro”. 
O  Soneto, como a  Trova, são formas fixas ideais, que correspondem inexplicavelmente à expressão criadora. 
Daí a perenidade de ambas. 
Quem poderia aliás, explicar a longevidade deste poemeto de duas quadras e dois tercetos? 
 
Encontram-se nesta coletânea Sonetos dos seguintes livros: 
 
“Meu Céu Interior” 
“Bazar de Ritmos” 
“Amo!” 
“Eterno Motivo” 
“Festa de Imagens” 
“Harpa Submersa” 
“A Sós” 
“Espera” 
“Cantiga do Só” 
“Quatro Damas” 
 

 

 

 
 
“Dedicatória” 
 
Este meu livro é todo teu, repara 
que ele traduz em sua humilde glória 
verso por verso, a estranha trajetória 
desta nossa afeição ciumenta e rara! 
 
Beijos! Saudades! Sonhos! Nem notara 
tanta cousa afinal na nossa história... 
E este verso – é a feliz dedicatória... 
onde a minha alma inteira se declara... 
 
Abre este livro... E encontrarás então 
teu coração, de amor, rindo e cantando, 
cantando e rindo com o meu coração... 
 
E se o leres mais alto, quando a sós, 
é como se estivesses me escutando 
falar de amor com a tua própria voz! 

 

 

 

A dor maior 
 
 
Não quis julgar-te fútil nem banal 
e chamei-te de criança tão-somente, 
- reconheço, no entanto, infelizmente, 
que, porque te quis bem, julguei-te mal. 
 
Pensei até, (e o fiz ingenuamente...) 
ter encontrado a companheira ideal... 
Quis julgar-te das outras diferente, 
e és como as outras todas afinal... 
 
Hoje, uma dor estranha me consome 
e um sentimento a que não sei dar nome 
faz-me sofrer, se lembro o amor perdido... 
 
A dor maior... A maior dor, no entanto, 
vem de pensar de Ter-te amado tanto 
sem que ao menos tivesses merecido!... 

 

 

 

A espera 
 
 
Ela tarda... E eu me sinto inquieto, quando 
julgo  vê-la  surgir,  num  vulto,  adiante, 
- os  lábios  frios,  trêmula  e  ofegante, 
os seus olhos nos meus, linda, fitando... 
 
O céu desfaz-se em luar... Um vento brando 
nas folhagens cicia, acariciante, 
enquanto com o olhar terno de amante 
fico à sombra da noite perscrutando... 
 
E ela não vem...Aumenta-me a ansiedade: 
- o segundo que passa e me tortura, 
é o segundo sem fim da eternidade... 
 
Mas eis que ela aparece de repente!... 
- E eu feliz, chego a crer que igual ventura 
bem valia esperar-se eternamente!... 
 

 

 

 

A Luz 
 
 
Ela veio... (E a minha alma tinha a porta 
aberta, e ela entrou...Casa vazia 
e estranha, esta que em plena luz do dia 
lembrava a tumba de uma noite morta...) 
 
Que ela havia chegado, eu nem sabia... 
Mas, pouco a pouco, e a data não importa, 
minha alma, por encanto, se conforta, 
e há risos pela casa...E há alegria... 
 
Quem abrira as janelas? Quem levara 
o fantasma da dor sempre ao meu lado? 
Os antigos retratos, quem rasgara? 
 
E acabei por fazer a descoberta: 
- ela espantara as sombras do passado 
e a luz entrara pela porta aberta! 
 

 

 

 

A vida 
 
 

“...Mudarás, todos mudam, e os espinhos 
com surpresa verás por todo lado, 
- são assim nesta vida os seus caminhos 
desde que o homem no mundo tem andado... 
 
Não hás de ser o eterno namorado 
com as mãos e os lábios cheios de carinho, 
- hoje, juntos os dois... tudo encantado! 
- amanhã, tudo triste... os dois sozinhos!... 
 
E sentindo o teu braço então vazio, 
abatido verás que não resistes 
à inclemência do tempo úmido e frio! 
 
Rolarás por escarpas e barrancos: 
sobre o epitáfio dos teus olhos tristes 
trazendo a campa dos cabelos brancos!” 
 

 
II 
“... Tem sido assim e assim será... Mais tarde 
o que hoje pensas chamarás: - quimera! 
E esse esplendor que nos teus olhos arde, 
será a visão de extinta primavera... 
 
Escondido à traição, como uma fera, 
bem em silêncio, e sem fazer alarde, 
o Destino que é mau e que é covarde, 
naquela sombra adiante já te espera!    
 
E num requinte de perversidade 
faz de cada ilusão, de cada sonho, 
a ruína de uma dor... e uma saudade... 
 
E se voltares, notarás então 
desesperado, ao teu olhar tristonho 
que em vão sonhaste... e que viveste em vão!...” 
 

 
III 
“... A vida é assim, segue e verás, - a vida 
é um dia de esperança, um longo poente 
de incertezas cruéis, e finalmente 
a grande noite estranha e dolorida... 
 
Hoje o sol, hoje a luz, hoje contente 
a estrada a percorrer suave e florida... 
- amanhã, pela sombra, inutilmente 
outra sombra a vagar, triste e perdida... 
 
A vida é assim, é um dia de esperança 
uma réstia de luz entre dois ramos 
que a noite envolve cedo, sem tardança... 
 
E enquanto as sombras chegam, nós, ao vê-las, 
ainda somos felizes e encontramos 
a saudade infinita das estrelas!...” 
 

 
IV 
“...A vida é assim, uma ânsia... feito a vaga 
que se ergue e rola a espumejar na areia, 
- apor esse bem que a tua mão semeia 
espera o mal que ainda terás por paga! 
 
A essa hora boa que te agrada e enleia 
sucede uma outra torturante e aziaga, 
- a vida é assim... um canto de sereia 
que à morte nos convida, e nos afaga... 
 
O teu sonho melhor bem pouco dura, 
e há sempre “um amanhã” cheio de dor 
para “um hoje” nem sempre de ventura... 
 
Toma entre as mãos o búzio da alegria 
e surpreso verás que no interior 
canta profunda e imensa nostalgia!...” 
 

 
Isso tudo nos dizem, - entretanto 
nós dois seguimos braços dados, 
creio que se tu sabes que te adore tanto 
do que ouviste talvez não tens receio... 
 
A vida, - é o nosso amor, o nosso encanto! 
Nem a podemos mais parar no meio... 
Chorar? - bem sei que choras, mas teu pranto 
é a alegria que canta no teu seio... 
 
O mundo é bom e nós o cremos, basta! 
E se um amor tão grande nos enleva 
e pela vida unidos nos arrasta, 
 
- que eu te abrace e te apoies sempre em mim, 
e desafiando o mundo envolto em treva 
sigamos juntos para um mesmo fim! 

 

 

 

Alvorada eterna 
 
 
Quando formos os dois já bem velhinhos, 
já bem cansados, trôpegos, vencidos, 
um ao outro apoiados, nos caminhos, 
depois de tantos sonhos percorridos... 
 
Quando formos os dois já bem velhinhos 
a lembrar tempos idos e vividos, 
sem mais nada colher, nem mesmo espinhos 
nos gestos desfolhados e pendidos... 
 
Quando formos só os dois, já bem velhinhos, 
lá onde findam todos os caminhos 
e onde a saudade, o chão, de folhas junca... 
 
Olha amor, os meus olhos, bem no fundo, 
e hás de ver que este amor em que me inundo 
é uma alvorada que não morre nunca! 

 

 

 

Amargura 
 
 
Só podes me ofertar o silêncio  e a amargura, 
- meu pobre amor de ti só espera a indiferença... 
Perdoa o meu amor... perdoa-me a loucura 
que quem tem, como eu tenho, um coração, não pensa... 
 
Há muito pela vida eu seguia à procura 
de alguém que viesse encher de luz minha descrença... 
Foi então que te vi... e julguei que a ventura 
pudesse ainda encontrar nesta jornada imensa... 
 
E foi assim que um dia eu fui sentimental... 
Acreditei no amor... E, talvez por castigo 
fizeste-me sofrer - mas não te quero mal... 
 
Quem amou, fui eu só... Eu nunca fui amado!... 
Mereço a minha dor, e este sofrer bendigo 
na amargura cruel de me julgar culpado! 
 

 

 

 

Amo! 
 
 

Amo a terra! Amo o sol! Amo o céu! Amo o mar! 
Amo a vida! Amo a luz! Amo as árvores! Amo 
a poesia que escrevo e entusiasta declamo 
aos que sentem como eu a alegria de amar! 
 
Amo a noite! Amo a antiga palidez do luar! 
A flor presa aos cabelos soltos de algum ramo! 
Uma folha que cai! Um perfume no ar 
onde um desejo extinto sem querer inflamo! 
 
Amo os rios! E a estranha solidão em festa, 
dessa alma que possuo multiforme e inquieta 
como a alma multiforme e inquieta da floresta! 
 
Amo a cor que há nos sons! Amo os sons que há na cor! 
E em mim mesmo - amo a glória de sentir-me um Poeta 
e amar imensamente o meu imenso amor!. 

 

 

 

Amor... de mentiras... 
 

 
Eram beijos de fogo, eram de lavas, 
e sabiam a sonhos e ambrosias. 
Como  pensar que a boca com que os dava 
era a mesma  afinal com que mentias? 
 
Se eras as mais humilde das escravas 
em dádivas, anseios, alegrias, 
- como prever que o amor que me juravas 
seria mais uma das tuas heresias? 
 
Como supor ser tudo um falso jogo? 
E crer que se extinguisse aquele fogo 
que acendia em teus olhos duas piras? 
 
E descobrir, - no instante em que me amavas, - 
que em tua boca ansiosa misturavas 
ao mesmo tempo beijos e mentiras ? 
 

 
II 
Eram brancas as mãos, brancas e puras, 
mãos de lã, de pelúcia, mãos amadas... 
Como prever, vendo-as fazer ternuras, 
que nas unhas traziam emboscadas? 
 
Era tão doce o olhar... em conjeturas 
felizes, e em promessas impensadas... 
Como enxergar, portanto, as amarguras 
e as frias traições nele guardadas ? 
 
Como pensar em duas, se somente 
uma eu tinha em meus braços, e adorava, 
e a outra, - uma impostora, - se mantinha ausente. 
 
E, afinal, como ver, nessa alegria, 
que o amor que tanta Vida me ofertava 
seria o mesmo que me mataria? 

 

 

 

As razões... 
 
 
Quando passas por mim depressa, indiferente, 
e não me dás sequer, um sorriso... um olhar... 
- como um vulto qualquer, em meio a tanta gente 
que costuma nos ver sem nunca nos notar... 
 
Quando passa assim, distraída, nesse ar 
de quem só sabe andar olhando para frente, 
e finges não me ver, e avanças sem voltar 
o rosto... e vais seguindo displicentemente... 
 
- eu penso com tristeza em tua hipocrisia... 
Ninguém sabe que a tive ao meu amor vencida 
e que um dia choraste... e que choraste um dia... 
 
Mas para que contar? Que sejas sempre assim, 
e que ninguém descubra nunca em tua vida 
as razões por que passas sem olhar pra mim!... 

 

 

 

Assim... 
 
 
Assim foi nosso amor... um sonho que viveu 
de um sonho, e despertou na realidade um dia... 
Um pouco de quimera ao léu da fantasia... 
Um flor que brotou e num botão morreu... 
 
Embora sendo nosso, este amor foi só meu, 
porque o teu, não foi mais que pura hipocrisia, 
- no fundo, há muito tempo, a minha alma sentia 
este fim que o destino afinal já lhe deu... 
 
Não podes, bem o sei - sendo mulher como és, 
saber quanto sofri, vendo esta flor desfeita 
e as pétalas no chão, pisadas por teus pés... 
 
Que importa ? Hás de sofrer mais tarde - a vida é assim... 
Esse mesmo sorrir que agora te deleita 
é o mesmo que depois há de amargar teu fim!... 

 

 

 

Barco perdido 

 
 
Oh! a vida é uma grande renúncia, partida 
em pequenos fragmentos, todo dia, toda hora... 
E a ironia maior, é que às vezes, a vida 
de renúncia em renúncia aos poucos vai embora... 
 
Tu voltaste de novo... e o doce amor de outrora 
trouxeste ainda no olhar, na expressão comovida. 
e eis que o meu coração no reencontro de agora 
transforma em labareda a chama adormecida... 
 
No entanto, que fazer? Há uma âncora no fundo... 
Hoje, sou como um barco sobre o mar do mundo, 
barco esquife, onde jaz um marinheiro morto... 
 
Velas rôtas ao vento... os mastros aos pedaços... 
E te vejo seguir, e a acenar-me teus braços, 
e me deixo ficar, sem destino, nem porto... 

 

 

 

Bilhete 
 
 
O teu vulto ficou na lembrança guardado, 
vivo, por muitas horas!... e em meus olhos baços 
Fitei-te - como alguém que ansioso e torturado 
Tentasse inutilmente reavivar teus traços... 
 
Num relance te vi - depois, quase irritado 
Fugi, - e reparei que ao marcar os meus passos 
ia a dizer teu nome e a ver por todo lado 
o teu vulto... o teu rosto... e o clarão dos teus braços! 
 
Talvez eu faça mal em querer ser sincero, 
censurarás - quem sabe? Essa minha ousadia, 
e pensarás até que minto, e que exagero... 
 
Ou dirás, que eu falar-te nesse tom, não devo, 
que o que escrevo é infantil e absurdo, é fantasia, 
e afinal tens razão... nem sei por que te escrevo! 
 

 

 

 

Boa noite 
 
 
Boa noite, meu amor, - diz boa noite, querida, 
vou deitar-me, e sonhar contigo ainda uma vez, 
a noite assim azul, cheia de luz, não vês? 
Parece que nos chama e a sonhar nos convida... 
 
O céu é aquela folha onde deixei perdida 
a história de um amor, que te contei talvez, 
- hoje, nela eu não creio, e tu também não crês, 
- mas, para que falar nessa história esquecida?... 
 
Boa noite, meu amor... Vê se sonhas também... 
“Um castelo encantado... um país muito além 
e um príncipe ao teu lado amoroso e cortês...” 
 
Com o céu azul assim, talvez dormir consiga, 
vou sonhar...vou sonhar contigo, minha querida, 
vê se sonhas também comigo alguma vez!. 

 

 

 

Bom dia, amigo Sol! 
 
 

Bom dia, amigo Sol! A casa é tua! 
As bandas da janela abre e escancara, 
- deixa que entre a manhã sonora e clara 
que anda lá fora alegre pela rua! 
 
Entre! Vem surpreendê-la quase nua, 
doura-lhe as formas de beleza rara... 
Na intimidade em que a deixei, repara 
Que a sua carne é branca como a Lua! 
 
Bom dia, amigo Sol! É esse o meu ninho... 
Que não repares no seu desalinho 
nem no ar cheio de sombras, de cansaços... 
 
Entra! Só tu possuis esse direito, 
- de surpreendê-la, quente dos meus braços, 
no aconchego feliz do nosso leito!... 

 

 

 

Caminheiro 
 
 
Eu ando pela vida à procura de alguém 
que saiba compreender minha alma incompreendida, 
alguém que queira dar-me a sua própria vida 
como eu lhe dar pretendo o meu viver também... 
 
Caminheiro do ideal - seguindo para o além 
vou traçando uma rota estranha e indefinida, 
- não sei se em minha estrada hei de encontrar guarida, 
ou se eterno hei de andar, sem rumo e sem ninguém.. . 
 
Já me sinto cansado... E em vão ainda caminho 
na ilusão de encontrar um dia a companheira 
que me ajude na vida a construir meu ninho... 
 
Boemia do destino!... Hei de andar... hei de andar... 
até que esta minha alma errante e aventureira 
descanse numa cruz cansada de sonhar!... 

 

 

 

Caminho monótono 
 
 

E por que hei de negar?... Ah! o encanto da estrada 
abrindo em cada curva um leque de paisagem, 
e o mistério da casa escondida e encantada 
que mora sob a sombra amiga da folhagem 
 

E por que hei de negar? Se isso é a vida passada; 
se o fastio espantou o encanto da miragem 
Hoje - o olhar distraído, e a alma já cansada 
repetem todo dia e sempre a mesma viagem 
 

E por que hei de negar? Ah! Aquelas ânsias loucas 
dos beijos que cantavam sempre em nossas bocas 
e das mãos, não sabendo nunca onde pousar... 
 

Hoje... por mais que venhas, sempre estou sozinho... 
E por que hei de negar? Se teu corpo é um caminho 
onde de olhos fechados posso caminhar?... 
 

 

 

 

Canto efêmero 
 

 

Feliz no mundo eu só!... Ninguém mais é feliz! 
Ninguém mais é feliz!... Eu só, sorrio e canto! 
Enfim o teu amor!... Quanta coisa! Quem diz, 
- quem poderia crer que eu merecesse tanto! 
 
Esplendor! a paisagem mudou por encanto! 
No negro da minha alma há rabiscos de giz 
traçando ante meus olhos trêmulos de espanto. 
- “Feliz no mundo, eu só!... Ninguém mais é feliz!” 
 
Certo do teu amor, tudo ao redor se anima, 
em ouro se transforma a fuligem do pó 
e a minha alma, a beleza das coisas sublima! 
 
Enfim o teu amor!... E o teu amor primeiro! 
Meu Deus! eu sou feliz!... Feliz no mundo eu só! 
Ninguém mais é feliz, ninguém!... no mundo inteiro! 

 

 

 

Canto ou Elegia 
 
 
Porque não  me pertences eu te sinto minha. 
Sei que estou no teu sono e nos teus movimentos. 
Ah! se já tivesse apertado ao meu peito 
talvez me pertencesses, - e não fosses minha. 
 
Quantas, quantas julguei possuir, tive-as na posse 
e perdi-as no instante em que a taça se esvaziou. 
Ah! morremos de seda! E é água pura que canta 
perto de nós, no abismo, esse amor que não temos. 
 
Morro de sede, e sofro... Ó música tão perto 
e tão longe na minha solidão ardente! 
- Quanto não a ouvirei porque a terei nos lábios? 
 
Quando a possuirei sem notar-lhe a pureza? 
E a beberei sem ver, que a estou, lento, matando, 
e estou, lento, morrendo, sem saber que morro? 

 

 

 

Carta 
 
 
Aqui, tudo é bonito e quieto, a gente 
vai vivendo uma vida sempre igual... 
- Há um dia que o regato de cristal 
de águas turvas ficou devido à enchente... 
 
Os dias têm passado, lentamente, 
e um tédio sinto em mim, de um modo tal, 
que às vezes, fico até sentimental, 
lembrando-me de ti, saudosamente... 
 
Quando estavas aqui, - tudo era lindo... 
Como um doce casal de beija-flores, 
vivíamos os dois sempre sorrindo... 
 
Por que não voltas?... Vem!... - Se tu voltares 
o céu há de cobrir-se de outras cores... 
- as flores voltarão pelos pomares!.. 

 

 

 

Cartas 
 
 
Vou correndo buscá-las - são tão leves! 
mas trazem a minha alma um grande encanto, 
- por que as cartas que escreves custam tanto? 
- por que demora tanto o que me escreves? 
 
Não deves torturar-me assim, não deves! 
- Do teu silêncio muita vez me espanto... 
Mando-te longas cartas - e entretanto 
como tuas respostas são tão breves!... 
 
Recebes cartas minhas todo dia, 
e elas não dizem tudo o que eu queria 
mas falam-te de amor... de coisas belas! 
 
Tuas cartas... Mas dou-te o meu perdão, 
- que me importa afinal ter razão, 
se gosto tanto de esperar por elas! 
 

 

 

 

Cheguei tarde 
 
 
Cheguei tarde, bem sei... E após minha chegada 
foi que eu vi, afinal, que tu tinhas partido... 
Mas teu vulto, distante, em sombras já perdido, 
divisar ainda pude, ao longe, pela estrada... 
 
Seguia-te outro vulto, - o alguém desconhecido 
que primeiro encontraste em tua caminhada... 
Partiste! ...E eras feliz, porque partiste amada, 
e eu fiquei, entretanto, infeliz e esquecido... 
 
Já não te vejo mais... Vai distante talvez... 
E ainda hoje tenho o olhar na estrada, sem ninguém, 
por onde tu partiste, um dia, certa vez... 
 
Fiquei... Curtindo a dor de um destino atrasado... 
- Sorrindo, por te ver feliz... Junto de alguém, 
- chorando, por não ter mais cedo te encontrado!... 
 

 

 

 

Ciúme 
 
 
Encontro em ti tudo o que imaginara 
na mulher, para ser o meu ideal; 
- não é só teu olhar, tua voz clara, 
e essa expressão que tens, sentimental!... 
 
Nem essa graça ingênua, hoje tão rara, 
de quem não sabe onde se encontra o mal, 
ou teu riso feliz, que se compara 
ao tinir de uma taça de cristal... 
 
É tudo em ti, traço por traço, tudo! 
As tuas mãos são rendas de ternura; 
teus carinhos, macios, de veludo. 
 
Por isso mesmo é que é maior a dor, 
quando amargo a mais íntima tortura 
por não ter sido o teu primeiro amor... 

 

 

 

Classicismo 
 
 

Longínquo  descendente dos helenos 
pelo espírito claro, a alma panteísta, 
- amo a beleza esplêndida de Vênus 
com uma alegria singular de artista! 
 
Amo a aventura e o belo, amo a conquista! 
Nem receio os traidores e os venenos... 
- Trago na alma engastada uma ametista, 
- meus olhos de esmeraldas são serenos! 
 
Com os pés na terra tenho o olhar no céu; 
a alma, pura e irrequieta como as linfas 
soltas no chão; nos lábios, tenho mel... 
 
Meu culto é a liberdade e a vida sã. 
E ainda hoje sigo e persigo as ninfas 
com a minha flauta mágica de Pã! 

 

 

 

Colegial 
 
 

Gosto de vê-la, assim... Quando à tarde ela vem 
fisionomia suave, ingenuamente franca... 
Toda a rua se alegra, e eu me alegro também 
com o seu vulto feliz: saia azul, blusa branca... 
 
Quantos nadas de sonho o seu olhar contém! 
A luz viva do olhar ninguém talvez lhe arranca. 
- Gosto de vê-la, sim... E ficam-lhe tão bem 
aquela saia azul, e aquela blusa branca... 
 
Azul: - azul é a cor da vida que ela sonha ! 
E branca: - branca é a cor da sua alma de criança 
onde ela própria se olha irrequieta e risonha 
 
Feliz... Não tem presente e ainda nem tem passado... 
Só o futuro, - e o futuro é uma imensa esperança 
um mundo que ainda fica oculto do outro lado! 

 

 

 

Coração solitário 
 
 
A noite esta fechada na janela aberta. 
Uma rua perdeu-se na sombra lá embaixo. 
Não existe esta rua - é um beco surrealista 
que fugiu de algum quadro louco que não vi. 
 
Ouço meu coração ardente e solitário 
com sua música estranha de piano bêbado. 
No espelho, meu olhar: duas chamas de estrelas. 
Não sei se é o vento, sei que há música na noite. 
 
Há música no quarto, nas cortinas, música 
nos meus cabelos despenteados, nos meus dedos, 
no meu rosto, entra e sai pela janela. 
 
Música indefinida a encher a solidão: 
- estou no ventre da noite a mexer com os meus sonhos 
ouço o meu coração ardente e solitário. 
 

 

 

 

Depois... 
 
 
Há de ser desta vez... Dir-lhe-ei contente 
todo este amor que no meu Ser se abriga, 
e tomando-lhe as mãos bem docemente 
relembrarei a nossa infância antiga... 
 
E a dúvida que guardo e que a alma sente 
hei de acabar dizendo: “minha amiga, 
quero ouvi-la afinal sinceramente 
sem recear ferir com o que me diga...” 
 
Penso assim... E no entanto, quantas vezes 
tenho-a encontrado, e inutilmente os meses 
e os anos vão passando entre nós dois... 
 
Basta vê-la... e em minha alma acovardada, 
- já não sei nada, nem me lembro nada 
e deixo tudo pra dizer depois! 

 

 

 

Derradeira inspiração 
 
 
Este é o último verso onde talvez 
a tua imagem seja percebida, 
- o instante derradeiro em que te vês 
a inspirar o meu verso e a minha vida... 
 
Guarda-o depois das linhas que tu lês 
morrerás... e hás de ser sempre esquecida... 
- não tornarei sequer uma só vez 
a falar na lembrança mais querida... 
 
Este é o último adeus que ainda te dou, 
- termina aqui a imensa trajetória 
que o teu destino sobre o meu traçou... 
 
Daqui por diante... avançarei sozinho, 
e nunca mais te encontrarás na história 
dos versos que fizer em meu caminho! 
 

 

 

 

Descida 
 
 

O que tinha de ser já foi... E está perdida 
aquela ânsia de espera, de desejo e fé, 
e tudo o que virá será cópia esbatida 
da Vida que foi Vida e hoje Vida não é... 
 
Muito pouco de tudo ainda resta de  pé... 
Agora, nunca mais estréias... Repetida 
a alma se reverá um desespero, até 
que a vida já não valha a pena ser vivida... 
 
Do que foi canto e flor restam só as raízes, 
e ao tédio que envenena os dias mais risonhos 
repito: nunca mais estréias... só reprises... 
 
E que importa o que vier? Sejam anos ou meses? 
- Nunca mais a beleza dos primeiros sonhos! 
- Nunca mais a surpresa das primeiras vezes! 

 

 

 

Desfolhando 
 
 
Essa boca, pequena, e assim vermelha, 
que ao botão de uma rosa se assemelha, 
- quanta vez provocava os meus desejos 
desabrochando em flor entre os meus beijos... 
 
Essa boca, pequena e mentirosa, 
que diz, tanta mentira cor-de-rosa, 
- era a taça de amor onde eu saciava 
toda a ansiedade da minha alma escrava ... 
 
Beijando-a, compreendia que eras minha... 
Meu amor transformava-te em rainha, 
teu amor me fazia mais que um rei... 
 
Agora, tu fugiste... E eu sofro, quando 
vejo um outro em teus lábios desfolhando 
a mesma rosa que eu desabrochei!... 

 

 

 

Digo que esqueço... 
 
 
Creio que te esqueci... de agora em diante 
já não há nada entre nós dois, não há, 
- achaste-me orgulhoso e intolerante 
e eu te achei menos fútil do que má... 
 
Foi um momento só... foi um instante 
essa nossa ilusão, e hoje, onde está 
aquele amor inquieto e delirante? 
- Bem que pensava: - é falso! morrerá! 
 
Sinto apenas que tenha te adorado, 
e que hoje sofra em vão, inutilmente 
procurando apagar todo o passado... 
 
Digo que esqueço... que não penso em ti! 
- Mas não te esqueço nunca, e justamente 
porque fico a pensar que te esqueci. 

 

 

 

Dois caminhos... 
 
 
Eu queria te dar minha emoção mais pura, 
associar-te ao meu sonho e dividir contigo 
migalha por migalha, o pouco de ventura 
que pudesse colher no caminho onde sigo... 
 
E esse estranho desejo em que se desfigura 
a palavra de amor e pureza que eu digo, 
- e queria te dar essa minha ternura 
que às vezes, por trair-se ao teu olhar, maldigo... 
 
Bem que eu quis te ofertar meu destino, meu sonho, 
minha vida, e até mesmo esta efêmera glória 
que desperdiço a cantar nos versos que componho... 
 
Nada quiseste... E assim, os sonhos que viviam, 
se ontem, puderam ser um começo de história, 
hoje, são dois caminhos que se distanciam... 

 

 

 

Dois ramos 
 
 
É preciso coragem, meu amor. 
para afinal reconhecer que vamos 
nos afastar, assim como dois ramos, 
que continuam dando a mesma flor... 
 
Que importa a flor, no entanto, se não damos 
os mesmos sonhos de antes? Se o sabor 
do fruto que ainda agora partilhamos 
já se vai transformando em amargor? 
 
É preciso coragem... Mas um dia 
será preciso tê-la... Que a tenhamos! 
Não vamos prolongar essa agonia 
 
em que nossos desejos se desgastam... 
Nosso destino... é o mesmo de dois ramos: 
- quanto mais crescem... tanto mais se afastam... 
 

 

 

 

Domínio 

 

 

Hoje, tu já não coras se te abraço, 
hoje, tu já não foges ao meu beijo... 
Sabes que és minha... e o que desejo e faço 
é o que faz e deseja o teu desejo... 

 

Ficas mais bela no desembaraço 
da suave intimidade em que te vejo... 
Nada negas – e dando-me o que almejo 
tudo me dás – quando o teu corpo enlaço! 

 

quando o teu corpo junto ao meu se aninha... 
Vives pelo prazer de seres minha, 
e és dócil e flexível como uma haste, 

 

No abandono total em que te enleias, 
quem diria, que um dia, já negaste 
com a mesma boca com que agora anseias! 

 

 

 

Dualidade 
 
 
Sei que é Amor, meu amor...porque o desejo 
o meu próprio desejo tão violento, 
dir-se-ia ter pudor, ter sentimento, 
quando estás junto a mim, quando te vejo. 
 
É um clarim a vibrar como um harpejo, 
misto de impulso e de deslumbramento. 
Sei que é Amor, meu amor...porque o desejo 
é desejo e ternura a um só momento. 
 
Beijo-te a boca, as mãos, e hei de beijar-te 
nessa dupla emoção, (violento e terno) 
em que a minha alma inteira se reparte, 
 
- e a perceber em meu estranho ardor, 
que há uma luta entre o efêmero e o eterno, 
entre um demônio e um anjo em todo Amor! 

 

 

 

Dueto 
 
 
Bendita sejas tu, que escancaraste 
uma janela em minha solidão, 
e trouxeste com a luz, esse contraste 
de luz e sombra em que meus passos vão... 
 
Bendita sejas tu, que me encontraste 
como um mendigo a te estender a mão, 
e que inteira te deste, e assim, tornaste 
milionário o meu pobre coração... 
 
Bendita sejas tu, que, de repente 
fizeste renascer um sol no poente 
reacendendo esse ardor com que arremeto 
 
e com que espero novamente a vida, 
e transformaste, sem saber, querida, 
a cantiga do só... num canto em dueto! 

 

 

 

É assim a vida 
 
 
Poderias ter sido tudo em minha vida 
se ao menos tu tivesses desejado ser... 
Dei-te a minha emoção mais profunda e sentida 
e o mais profundo amor que concebeu meu Ser! 
 
Por esse amor que em vão tentei te oferecer 
eu fui poeta, eu fui criança... e tive a alma iludida! 
Traí meu ceticismo, e sonhei... e quis crer... 
- hoje... volto ao que fui, - a crença perdida... 
 
Poderias ter sido tudo em meu destino: 
- o meu lar, o meu filho, o meu rumo, o meu hino, 
o meu próprio futuro... a obra que ainda não fiz... 
 
Tudo terias sido... E não quiseste nada... 
No entanto, (a vida é assim), - sei de uma outra, coitada, 
que se um olhar dou... é a mulher mais feliz! 

 

 

 

Ela... 
 
 
À beleza tão pura do semblante, 
à luz sublime que há nos olhos dela, 
- pergunto-me a mim mesmo a todo instante, 
como tão simples pode ser tão bela... 
 
Diferente das outras, diferente 
dos moldes tão comuns de uma mulher, 
- ela me faz pensar num mundo ausente 
deste que a gente sem querer já quer... 
 
Bem que a quis esquecer - e noutro amor 
procurei me enganar, acreditando 
ser do meu pobre coração, senhor... 
 
Em vão tentei... Em vão... Vendo-a naquela 
doce e pura expressão - fico pensando 
que é impossível não pensar mais nela!... 

 

 

 

Enquanto dormes 
 
 
Não consigo dormir... A meu lado, ressonas 
em completo abandono, tranqüila, confiante, 
e eu me ponho a pensar em nossas vidas, nossas 
vidas, juntas no sonho, como em nosso leito. 
 
E me deixo ficar assim, na leve insônia 
que me traz à lembrança tantas coisas, tantas, 
que fizeram de nós, de nossos passos, uma 
rede em que duas linhas são como uma só. 
 
E sem querer percebo que o que estou pensando 
tem jeito de poesia, em versos simples, versos 
sem rimas, e levanto-me, e venho escrever 
 
a observar-te à distância, a ressonar, feliz, 
sem poderes sequer calcular que a teu lado 
um poeta te ama e sonha, e faz versos de amor. 
 

 

 

 

Espera... 
 
 
Se tivesse mandado uma palavra: - “espera!” 
Sem mais nada, nem mesmo explicar até quando, 
eu teria ficado até hoje esperando... 
- era a eterna ilusão de que fosses sincera... 
 
Que importa a vida, o Sol, a primavera, 
se eras a vida, o Sol, a flor desabrochando? 
Se tivesses mandado uma palavra: - “espera!” 
eu teria ficado até hoje esperando... 
 
Não mandaste, tu nada disseste, e eu segui 
sem saber que fazer da vida que era tua 
procurando com o mundo esquecer-me de ti... 
 
E afinal o destino, irônico e mordaz, 
ontem, fez-me cruzar com o teu olhar na rua, 
ouvir dizer-te: - “espera!...” E ser tarde demais... 
 

 

 

 

Esperar 
 
 

Quanta gente há que sofre o mal sem cura 
de uma infinita e vã desesperança, 
condenada a viver só da lembrança 
sem direito a esperar qualquer ventura! 
 
E eu a chamar de angústia e de amargura 
esta minha saudade ingênua e mansa 
que faz com que me sinta um pouco criança, 
só porque a espero com maior ternura! 
 
E eu a dizer que a minha vida é má 
Feliz é quem espera um bem que alcança 
e eu sou feliz porque ela voltará... 
 
Voltará - pressurosa e comovida - 
Ah! poder esperar tendo esperança 
é a mais doce esperança desta vida! 

 

 

 

Espiritualidade 
 
 

É no sonho que o amor engrandece o seu mundo 
para morrer depois nos sentidos exausto... 
Nasce, como o de Comte e Clotilde, profundo, 
morre, feito desejo, na expressão de um Fausto! 
 
Mais sublime talvez, talvez menos fecundo 
antes da posse, é apenas perfume... luz... hausto... 
- até que atinge o instante imortal de um segundo 
em que a ele ofertamos tudo em holocausto! 
 
O que possui de grande, esplêndido, complexo, 
está, nessa afeição mais do homem que da fera, 
mais do Ser propriamente que do próprio sexo... 
 
Está mais na visão do que se imaginou 
- e é por isso que o amor maior é o que se espera, 
e eterno, é o que se espera... e nunca o que chegou!... 
 

 

 

 

Esquecimento 
 
 
Mais tarde em tua vida, um dia, hás de tentar 
revolver da memória este tempo de agora... 
- Mas o mundo é uma praia, onde as ondas do mar 
apagam quase sempre as lembranças de outrora... 
 
Hás de em vão, ao teu Deus, esse Dom suplicar 
sem conseguires nunca o que a tua alma implora... 
- É que a vida é uma fonte, a correr sem parar 
e a seguir, sem voltar, por este mundo afora... 
 
Não se vive outra vez... O que chamas presente, 
há de ser, amanhã, um romance apagado 
que em vão procurarás reler, inutilmente... 
 
O tempo tudo vence... Tudo ele consome... 
E se um dia, talvez, lembrares teu passado 
não mais hás de sequer reconhecer meu nome!... 
 

 

 

 

Essa “Aritmética...” 
 
 

Antes, eu era apenas metade 
de um Ser, a pervagar sem rumo certo, 
à procura ideal dessa unidade 
que é como um novo mundo descoberto. 
 
Enquanto sós, que somos? Um deserto 
a nos pesar com sua imensidade, 
existir só começa, a céu aberto, 
quando dois são um só - eis a verdade! 
 
Eu vinha por aí, aos solavancos, 
como se diz: aos trancos e barrancos, 
um pedaço a rolar, uma metade 
 
de um Ser, mas quis a sorte, nos achamos, 
e ao nos somarmos, nos multiplicamos 
nessa aritmética da felicidade. 

 

 

 

Está cheio de ti meu coração... 
 
 
Está cheio de ti meu coração 
como a noite de estrelas está cheia, 
tão cheia, que ao se olhar para a amplidão 
o olhar de luz se inunda e se incendeia... 
 
Está cheio de ti meu coração 
como de ondas o mar que o dorso alteia, 
como a praia que estende sobre o chão 
milhões de grãos do seu lençol de areia... 
 
Está cheio de ti meu coração, 
como uma taça, erguida, transbordante, 
num momento de amor e de emoção, 
 
- como o meu canto enquanto eu viva e eu cante 
como o meu pensamento a todo instante 
está cheio de ti meu coração! 

 

 

 

Esta saudade 
 
 
Esta saudade és tu... E é toda feita 
de ti, dos teus cabelos, dos teus olhos 
que permanecem como estrelas vagas: 
dos anseios de amor, coagulados. 
 
Esta saudade és tu... É esse teu jeito 
de pomba mansa nos meus braços quieta; 
é a tua voz tecida de silêncio 
nas palavras de amor que ainda sussurram... 
 
Esta saudade são teus seios brancos; 
tuas carícias que ainda estão comigo 
deixando insones todos os sentidos. 
 
Esta saudade és tu... é a tua falta 
viva, em meu corpo, na minha alma, viva, 
... enquanto eu morro no meu pensamento. 

 

 

 

Estranha encruzilhada 
 
 
Não sei por que cruzou com a tua a minha estrada, 
o destino é inconsciente e não sabe o que faz... 
- Encontro-te, e afinal, já sei que tu és amada, 
encontras-me, e afinal, já é bem tarde demais... 
 
Já não posso esquecer a existência passada, 
perdi meu coração - o amor não tenho mais... 
- já não tens coração, e a tua alma, coitada, 
sofrendo há de ficar sem me esquecer jamais... 
 
Até hoje nesse amor não tínhamos pensado: 
é por  isso talvez que em silêncio tu choras, 
e em silêncio também meu pranto é derramado 
 
Eu cheguei... Tu chegaste... Estranha encruzilhada: 
se eu tenho que partir depois que tu me adoras, 
se, tu tens que ficar sabendo-te adorada!... 

 

 

 

Exaltação ao amor 
 
 
Sofro, bem sei... Mas se preciso for 
sofrer mais, mal maior, extraordinário, 
sofrerei tudo o quanto necessário 
para a estrela alcançar... colher a flor... 
 
Que seja imenso o sofrimento, e vário! 
Que eu tenha que lutar com força e ardor! 
Como um louco, talvez, ou um visionário 
hei de alcançar o amor... com o meu Amor! 
 
Nada me impedirá que seja meu, 
se é fogo que em meu peito se acendeu, 
e lavra, e cresce, e me consome o Ser... 
 
Deus o pôs... Ninguém mais há de dispor... 
Se esse amor não puder ser meu viver, 
há de ser meu para eu morrer de Amor! 
 

 

 

 

Existo 
 
 
Seu amor me fez real, e me deu sentido 
da alegria de ser, total, completamente... 
Fez de um pobre poeta em sonhos consumido 
alguém que tem nas mãos um mundo! e sofre, e sente! 
 
Seu amor foi a vida a irromper da semente 
de um velho coração cansado e ressequido, 
o verde que voltou ao ramo nu, pendente, 
a imprevisível flor, o fruto inconcebido... 
 
Seu amor foi milagre a cantar pelo chão 
como a água, no agreste, a acenar ao viajante 
a esperança, o prazer, a vida, a salvação... 
 
Passo a existir, quem sabe? apenas porque amei... 
E ela existe talvez, a partir deste instante 
porque ela e o seu amor... em versos transformei! 

 

 

 

Fatalismo 
 
 
 Se eu for contar, hão de sorrir talvez... 
- é o fim de um grande amor sereno e nobre 
que um fatalismo estranho já desfez 
com razões torpes que este mundo encobre... 
 
Morreu... e que se apague de uma vez, 
- que dele nada subsista ou sobre...    
- onde a pureza e o amor?... se a vida fez 
um nascer rico e o outro nascer pobre. 
 
Que guardem esse amor. Eu o desconheço! 
Não tenho em moedas o seu alto preço 
e sou feliz por ser tão desgraçado! 
 
Que o guardem!... Para os ricos! Para os reis! 
- o amor que eu quero não tem preço ao lado, 
não tem correntes, nem conhece leis! 
 

 

 

 

Fim 
 
 
Nem foi mesmo preciso que você falasse, 
era um pressentimento antigo dentro de mim, 
há muito, na expressão que havia em sua face 
via que o nosso amor ia chegando ao fim... 
 
Hoje, para encontrá-la, eu quase que não vim... 
Era o medo covarde deste desenlace... 
E tudo terminou... e foi melhor assim 
talvez, para você, que tudo terminasse... 
 
Nosso amor, - e ninguém há de saber por que, 
morreu (bem que o sentimos pelo nosso olhar), 
e não somos culpados nem eu, nem você... 
 
E o que é estranho afinal é que tudo acabasse, 
sem que nenhum de nós falasse em terminar, 
- e assim como se tudo ainda continuasse... 

 

 

 

Fraqueza 

 

 

Espero-te... E sei bem que eu só que te espero... 
Aqui me tens... Constante e eterna é a expectativa! 
Por que hei de ser assim sempre ingênuo e sincero 
por mais que experiência eu tenha, e a vida eu viva? 

 

Chegarás... e terás uma resposta esquiva 
ao que te perguntar... E eu que tanto te quero 
renderei novamente a minha alma cativa, 
enquanto sorrirás feliz... e eu desespero... 

 

Há um imenso poder nessa tua humildade, 
e esse teu ar de mansa ternura e meiguice 
estraçalha aos teus pés toda a minha vontade... 

 

Que fazer? Hei de sempre perdoar o que fazes... 
E se choras, nem sei... Esquecendo o que disse 
sou eu que enxugo o pranto e ainda proponho as pazes! 
 

 

 

 

Freira 
 
 
Em teu calmo semblante e em teu olhar parado 
há perdido -  bem sei - um mistério qualquer... 
- quem sabe se pecaste... e se foi teu pecado 
quem te fez esquecer que és bela e que é mulher... 
 
Hoje es santa... O passado passou - é passado... 
- dele já não terás uma ilusão sequer, 
e o amor que se tornou funesto e amargurado, 
sepultas no silêncio... e em teu árduo mister... 
 
Mais à frente está a vida... a vida humana e bela! 
- teu presente é uma prece; teu passado: um poema; 
teu futuro: um rosário, um altar, uma cela... 
 
Evadida do mundo - ao ver-te, à luz do dia 
- não sei se te admiro a renúncia suprema, 
ou se lastimo a tua imensa covardia! 

 

 

 

Frustração 
 
 
Persegui-a com as mãos, como uma criança a um brinquedo. 
Era um sonho; era mais: - a alegria que chega, 
o prazer que nos toma e nos deixa inebriados, 
atirando à corrente, num gesto, os sentidos... 
 
Ah! Povoou minhas noites de sono sem pálpebras; 
dançava entre estrelas na distância, - via-a! 
Meu destino! pensei, - eis o amor! – É esse sangue 
que me queima por dentro e me agita: eis o amor! 
 
E alcancei-a! Eis o mar ao redor atordoante! 
Nos meus braços em concha era como uma pérola 
escondida, o mistério do oceano a guardar... 
 
E de repente, é estranho! esse vazio, esta ânsia! 
Como a posse do amor está longe do amor 
e o rumor que há na concha... está longe do mar! 
 

 

 

 

Fuga 
 
 
Amo um lugar assim, amo os lugares 
onde há montanhas, selvas, passarinhos... 
- onde o giz alvacento dos luares, 
à noite, faz rabiscos de caminhos... 

 

Que bom ficarmos sempre assim, sozinhos... 
quantas coisas depois, para lembrares! 
Esta calma varanda... os meus carinhos... 
Um silêncio... que é música, nos ares... 

 

A porteira lá embaixo... a estrada, o fim... 
Ah! Se pudéssemos nos esquecer 
para onde segue aquela estrada, assim... 

 

Ah! Se pudéssemos pensar que aquela 
estrada , ali adiante vai morrer... 
- Como a vida, meu Deus, seria bela! 

 

 

 

Fui gostar de você 
 
 
Fui gostar de você, - isso foi quando 
julguei que ainda podia ser feliz... 
Ilusão!... Hoje as pedras vou tirando 
do castelo de amor que eu mesmo fiz... 
 
Conformo-me no entanto, - mesmo estando 
como estou, da loucura, por um triz... 
E procuro do peito ir apagando 
a cor de um vulto de mulher que eu quis... 
 
Quanto sonho fatal! Quanta cegueira 
fez com que eu me iludisse com as safiras 
de uns olhos lindos de mulher brejeira... 
 
Fui gostar... e gostei... Sofri portanto 
ao descobrir as múltiplas mentiras 
que eram do amor o seu supremo encanto 
 

 
II 
Fui gostar de você - facilitei 
no poder de seus olhos... Que loucura!... 
- Nunca pensei que um dia esta figura 
havia de fazer... Nunca pensei... 
 
Bem triste a pantomima... E o que nem sei 
é como hei de aturar esta tortura, 
de ver você e alguém numa ventura 
que sonhei para mim - que em vão sonhei 
 
Fui gostar de você - e agora vejo 
que este amor viverá num sonho apenas, 
- na renúncia suprema do que almejo... 
 
É inútil meu viver... Hoje, ao seu lado 
sou alguém que sepulta as próprias penas 
no orgulho triste de quem foi deixado. 
 
 

III 
Fui gostar de você... Eu, que dizia: 
- jamais hei de gostar! Gostar é crer, 
e crer é quase amar - e amar é a via 
mais curta entre o bom senso e o enlouquecer... 
 
Fui gostar de você... Certo a ironia 
da sorte nos obriga a desdizer... 
Ontem, zombava de quem chora, e ria; 
- hoje, inverso afinal é o meu viver... 
 
Fui gostar de você - você no entanto 
já tendo um grande amor, fez-me o veneno 
do despeito tragar no amargo pranto... 
 
E no fim disto tudo... - ninguém crê... 
- Infeliz, muito embora eu me condeno 
eu ainda defendo o que me fez você!... 

 

 

 

Gata angorá 
 
 
Sobre a almofada rica e em veludo estofada 
caprichosa e indolente como uma odalisca 
ela estira seu corpo de pelúcia, - e risca 
um estranho bordado ao centro da almofada... 
 
Mal eu chego, ela vem... (nunca a encontrei arisca) 
- sempre essa ar de amorosa; a cauda abandonada 
como uma pluma solta, pelo chão deixada, 
e o olhar, feito uma brasa acesa que faísca! 
 
Mal eu chego, ela vem... lânguida, preguiçosa, 
roçar pelos meus pés a pelúcia prata, 
como a implorar carícias, tímida e medrosa... 
 
E tem tal expressão, e um tal jeito qualquer, 
- que às vezes, chego mesmo a pensar que essa gata 
traz no corpo escondida uma alma de mulher! 
 

 

 

 

História antiga 
 
 
Vendo-a, fico a pensar que entre nós, certo dia... 
Mas, para que falar desse tempo feliz? 
Eu a quis – nem eu sei dizer como a queria! 
Ela – Quem poderá dizer quanto me quis?! 
 
Foi romance talvez, foi talvez fantasia, 
vida que quase chega, e foge, por um triz... 
Nosso amor, mas nem eu me lembro o que dizia! 
Quem há de se lembrar do que a sonhar se diz! 
 
Era um misto de sonho e tímido desejo: 
eu – temendo manchar uma afeição tão bela! 
ela – a entregar-me a vida e a boca num só beijo! 
 
Ah! a Vida... Afinal quem a vida adivinha? 
Nem eu – que tanto a quis – sei por que não sou dela! 
nem ela, há de saber por que nunca foi minha! 

 

 

 

Ilha 
 
 
Eis-me completamente  só em plena vida, 
sem uma amor sequer à vista, sem ninguém: 
- a que um dia julguei eterna, a mais querida, 
traí-a, e me traiu... já não lhe quero bem... 
 
a outra, a que me chegou quase que despercebida 
e acabou sendo tudo o que a paixão contém, 
tal como me chegou partiu: sem despedida! 
e eis-me só, na lembrança, a aguardá-la também. 
 
Completamente  só, perdido em plena vida 
como desabitada ilha, íngreme penha 
fora de rota, a erguer-se entre vagas bravias. 
 
Uma ilha em pleno mar, esperando esquecida 
que algum náufrago amor (algum dia) ainda venha 
por milagre encontrar suas praias vazias.. 

 

 

 

Imprevidência 
 
 
Vamos seguindo assim, desprevenidamente 
a brincar com  o Destino... e a pensar que brincamos... 
quando, na realidade, ele brinca com a gente, 
e trama qualquer coisa que não suspeitamos... 
 
Julgamos dominá-lo... e, que somos? - dois ramos 
arrastado por ele ao sabor da corrente... 
Bem que percebemos quando nos amamos 
mas teimamos, seguindo assim, inutilmente... 
 
Prolongamos em vão um traiçoeiro dilema: 
- ou tu te entregarás um dia, com ternura, 
ou teremos criado um eterno problema... 
 
Fora disto, há o recuo, bem sei... Mas assim 
- tua vida há de ser um remorso sem cura! 
- minha vida há de ser uma angústia sem fim! 
 

 

 

 

Incerteza 
 
 
Desde a manhã tristonha em que partiste 
que não posso pensar senão em ti, 
tenho a louca impressão que te perdi 
que nada mais entre nós dois existe... 
 
Ao te ver a sorrir, como sorriste 
no instante da partida, compreendi, 
- que talvez, nunca mais voltes aqui... 
- que hei de viver eternamente triste... 
........................................................................ 
 
Por que tu me deixaste a duvidar? 
Preferia mil vezes a certeza, 
já que um dia a certeza há de chegar... 
 
Nem sabes a amargura que me invade, 
- a vida que hoje levo, é uma tristeza, 
um misto de tristeza e de saudades! 

 

 

 

Incoerência? 
 
 

Achas-me indiferente... e até crês que há desdém 
quando falo de amor em palavras singelas... 
- pensas que as juras todas que já ouviste, aquelas 
juras, a outras mulheres vou fazer também... 
 
Dizes que não te quero... E eu te pergunto: - a quem 
devo tudo o que fiz, as poesias mais belas? 
- outras dirão talvez que as fiz pensando nelas, 
mas todas te pertencem mais do que a ninguém! 
 
Não vês que o que te cerca é a mentira da vida... 
- nem sabes descobrir essa paixão imensa 
que o meu orgulho torna egoísta e dolorida... 
 
Não vês que o meu viver é falso, - e se resume 
em te amar como um louco em minha indiferença, 
e fingir que amo as outras para teu ciúme! 
 

 

 

 

Inconstância 
 
 
É o meu destino: - hei de seguir assim 
como um novo amor por sol, em cada dia... 
- o que há pouco era tudo o que queria 
já agora não é nada para mim... 
 
Só vive, o que ainda é sonho e fantasia! 
O que conquisto encontra logo um fim... 
O amor que nasce cheio de alegria 
hoje - morre amanhã cheio de esplim... 
 
Inconstante e volúvel, meus desejos 
- tem a alma das bolhas de sabão 
e a duração efêmera dos beijos... 
 
O amor - é a vida de um perfume no ar, 
o encanto de um segundo de ilusão... 
- a beleza da espuma sobre o mar!... 
 

 

 

 

Insatisfeito 
 
 
Quem ler os versos meus onde há certa tristeza 
e certo desencanto suave e contrafeito, 
poderá num momento pensar, com certeza, 
que trago inutilmente um coração no peito!... 
 
E que vivo afinal inquieto e insatisfeito 
de paixão em paixão... de surpresa em surpresa, 
- como um rio a mudar o curso do seu leito 
sem saber aonde o arrasta a própria correnteza! 
 
E acertará talvez, - pois falta essa mulher 
que consiga escrever seu nome em minha vida 
sem deixar no passado outro nome qualquer... 
 
Falta-me um grande amor... Falta-me tudo em suma! 
E sinto a alma vazia, estranha e incompreendida 
por ter amado tantas sem amar nenhuma! 
 

 

 

 

Lágrima 
 
 
Orvalho do sofrer - dentro do peito nasce 
e nos olhos em pranto sem querer floresce; 
aumenta a pouco e pouco, e cada vez mais cresce... 
- e rola finalmente em gotas pela face... 
 
sublime florescer da dor... se ela falasse 
diria para o mundo a mais sentida prece, 
no entanto, em seu silencio humilde é que enternece 
pois guarda na mudez um triste desenlace... 
 
Repentina, ela brota, assim como se fosse 
(de um mar que em nosso peito as ondas estugisse) 
uma gota que o vento, aos nossos olhos, trouxe... 
 
Nuns olhos de mulher, porém, ainda não disse: 
- é a pérola de um mar completamente doce, 
de um mar feito de amor... de sonho e de meiguice! 

 

 

 

Linda 
 
 

Intimamente sinto uma grande vontade 
de não mais duvidar do que você me diz, 
- de acreditar enfim na sua falsidade 
e fingir que me iludo em me julgar feliz... 
 
Quero crer... na inconstância e volubilidade 
dos seus olhos azuis ou verdes, não sei bem, 
e tentar convencer-me da felicidade 
de que é meu o seu amor, só meu... de mais ninguém... 
 
Quero nessa ilusão - minha íntima esperança 
transformar na feliz e invejável certeza 
dos que sabem gostar e podem ter confiança... 

 

Mas é inútil, bem sei... A dúvida não finda! 
E ao sentir seu olhar e ao ver sua beleza 
não sei como confiar em quem nasceu tão linda! 

 

 

 

Linhas paralelas 
 
 
Compreendemo-nos sempre incompreendidos, 
como dois orgulhosos, sempre assim, 
- não gostava de ti... nem tu de mim... 
afirmávamos ambos convencidos... 
 
Isso dava-se outrora, em tempos idos, 
antes do nosso amor chegar ao fim... 
- hoje, depois de tanto orgulho, enfim, 
nem somos vencedores nem vencidos... 
 
Foi pouco tempo de namoro o nosso, 
- não me esqueces no entanto totalmente, 
como de todo te esquecer não posso... 
 
Linhas iguais... Nascemos como um par 
que, em paralelas, orgulhosamente 
há de seguir sem nunca se encontrar!... 

 

 

 

Maldade 
 
 

Tu podes ser igual a todo o mundo 
teres defeitos mais que toda a gente, 
- que importa? se este amor cego e profundo 
teima em dizer que te acha diferente! 
 
Para mim (eu que te amo como um louco) 
os que falam de ti são línguas más, 
- ah! todo o amor que te dedico é pouco 
e é sempre pouco o amor que tu me dás! 
 
Sou a sombra que segue os teus desejos 
e aos teus pés, numa oferta extraordinária 
a minha alma vendeu-se por teus beijos... 
 
Falam de ti... Escuto-os... Fico mudo... 
Quanta maldade cruel, desnecessária 
se eu já sei quem tu és... se eu sei de tudo! 

 

 

 

Mascarados 
 
 
Mascarados os dois. Eu, mascarado 
na hipocrisia com que levo a vida, 
tu, na aparência inútil e fingida 
que usas na rua com o maior cuidado... 
 
Passas por mim e segues ao meu lado 
como outra qualquer desconhecida, 
- quem há de imaginar nosso passado 
e a intimidade entre nós dois perdida?... 
 
Ninguém... Certo ninguém pensa e adivinha 
porque eu não digo e porque tu não dizes 
Que eu já fui teu... e que tu foste minha... 
 
Mas, quantas vezes, amargurado penso 
em como nos sentimos infelizes 
no Carnaval do nosso orgulho imenso! 
 

 

 

 

Menina dos olhos verdes 

 
 
Ó! menina dos olhos verdes, que à tardinha 
estás sempre à janela à hora de minha volta... 
Que cousas pensarás? Que fazes aí sozinha? 
Por que regiões de sonho a tua alma se solta? 
 
Sempre que dobro a esquina encontro o teu olhar 
e o teu claro sorriso adolescente ainda... 
Habituei-me a te ver - e és tão criança e tão linda 
que sem querer, também sorrio ao te encontrar... 
 
Menina dos olhos verdes... A quem esperas 
com teus olhos gritando a cor das primaveras? 
Queres versos? Pois bem, estes são teus, recolhe-os! 
 
Escrevi-os pensando em ti, tímida e bela, 
- a menina dos olhos verdes da janela 
debruçada à janela verde dos meus olhos! 

 

 

 

Mentira... 
 
 

Tanta cousa passou...  E, no entanto, vivemos 
noutros tempos, felizes, como namorados... 
- Nossa vida... ora a vida, era um barco sem remos, 
levando-nos ao léu... a sonhar acordados... 
 
Ontem juntos, felizes... hoje, separados, 
- (não pensei que este amor chegasse a tais extremos...) 
E sorrimos em vão... sorrimos conformados 
na mentira cruel de que a tudo esquecemos... 
 
Cruzamos nossos passos muita vez: - é a vida! 
- eu, volto o rosto (fraco à paixão que ainda sinto), 
tu, recalcando o amor, nem me olhas, distraída... 
 
Mentira inútil, cruel... se ontem, tal como agora, 
tu sabes que padeço, sabes quanto eu minto, 
e eu sei quanto este amor te atormenta e devora! 

 

 

 

Meu Calvário 

 

 

Ando sempre a seguir-te... a buscar-te distante 
como a visão que anseio e os olhos me seduz, 
- e espero te encontrar, sentir de perto a luz 
do teu olhar feliz em êxtase constante... 
 
Mas tu foges de mim, foges a cada instante, 
e eu que a este andar eterno já me predispus, 
embora às vezes pare, - sigo logo adiante 
sem mesmo perceber que esse amor é uma cruz! 
 
Não sei se hás de ser minha! O teu afastamento 
cresce à frente de mim, - no entanto, o imaginário 
desejo de alcançar-te ergue o meu desalento... 
 
E, após tanto sofrer, sentir-me-ei consolado, 
- se ao cair no caminho... e ao fim do meu Calvário 
for morrer sobre a cruz dos braços teus pregado! 

 

 

 

Meu céu interior 
 
 
Se esses teus olhos, no meu livro, imersos, 
encontrarem diversas emoções, 
- não tentes decifrar... – mil corações 
nós os temos num só, todos diversos... 

 

Os meus poemas aqui, vivem dispersos, 
como as estrelas... e as constelações... 
- no céu das minhas íntimas visões, 
no “meu céu interior...” cheio de versos. 

 

Não procures o poeta compreender... 
- Os versos que umas cousas nos desnudam, 
Outras cousas, ocultam, sem querer... 

 

Uns, são felizes... Outros, ao contrário... 
- No rosário da vida, as contas mudam, 
e os versos são contas de um rosário!... 

 

 

 

Meu coração 
 
 
Eu tenho um coração - um mísero coitado 
ainda vive a sonhar... ainda sabe viver... 
- acredita que o mudo é um castelo encantado 
e criança vive a rir batendo de prazer... 
 
Eu tenho um coração, - um mísero coitado 
que um dia há de por fim, o mundo compreender... 
- é um poeta, um sonhador, um pobre esperançado 
que habita no meu peito e enche de sons meu ser... 
 
Quando tudo é matéria e é sombra - ele é uma luz... 
Ainda crê na ilusão... no amor... na fantasia... 
- sabe todos de cor os versos que compus... 
 
Deus pôs-me um coração com certeza enganado: 
- e é por isso, talvez, que ainda faço poesia 
lembrando um sonhador do século passado!... 
 

 

 

 

Milagre de amor 
 
 
Que importa, meu amor, a poesia que tanto 
te preocupa porque a fiz antes de ti? 
Hoje... para não ver os teus olhos em pranto 
por  Deus que eu rasgaria os versos que escrevi... 
 
Hoje, já não são meus... Como que por encanto 
estes poemas  que fiz, que sonhei, que vivi, 
são estranhos que seguem cantando o meu canto 
a falarem de um velho mundo, que esqueci... 
 
De repente a mudança é tão grande, é tamanha, 
que o passado se esvai numa sombra perdida, 
e a minha própria voz soa falsa e estranha... 
 
Óh Milagre de Amor... (Que por louco me tomem!) 
Mas sinto uma alma nova em mim... tenho oura vida!! 
E um novo coração no peito... e sou outro homem! 

 

 

 

Mulher 
 
 
“Já é demais! - me disseste - o teu ciúme é irritante 
e há de acabar na certa, por nos indispor, 
- fazes do meu viver um martírio constante 
e ao que vês, tu dás sempre afinal outra côr” 
.......................................................................... 
 
Eu resolvi então, daquele dia em diante, 
sem nada te dizer, e sem nada propor, 
- sufocar esse amor egoísta e dominante 
e o ciúme... que era o fel que eu punha em nosso amor! 
 
Hoje... Tu sofres mais quando em minha presença... 
e há pouco (creio até que bateste com os pés!) 
- já achavas demais a minha indiferença... 
 
E possa eu compreender, afinal, o que queres, 
quando enfim descobri, sem surpresa, que tu és 
incoerente... e igualzinha a todas as mulheres! 
 

 

 

 

Namorados 

 

 

Um ao lado do outro, - assim juntinhos, 
mãos enlaçadas num enlevo infindo, 
- seguem... a imaginar que estão seguindo 
o mais suave de todos os caminhos... 
 
Com gravetos de sonho vão construindo 
na terra, como no ar os passarinhos, 
a esplêndida ilusão de um mundo lindo, 
entre beijos, sorrisos e carinhos... 
 
Nada tolda os seus olhos... Nem um véu... 
Andam sem ver os lados, vendo o fim 
e o fim que vêem é o azul do céu... 
 
Ah! se a gente, tal como namorados, 
pudesse eternamente andar assim 
pela vida a sonhar de braços dados! 

 

 

 

Noite 
 
 
Há na expressão do céu um mágico esplendor 
e em êxtase sensual, a terra está vencida... 
- deixa enlaçar-te toda... A sombra nos convida, 
e uma noite como esta é feita para o amor... 
 
Assim... - Fica em meus braços, trêmula e esquecida, 
e dá-me do teu corpo esse estranho calor, 
-  ao pólen que dá vida, em fruto faz-se a flor, 
e o teu corpo é uma flor que não conhece a vida... 
 
Há sussurros pelo ar... Há sombras nos caminhos... 
E à indiscrição da Lua, em seu alto mirante, 
encolhem-se aos casais, os pássaros nos ninhos... 
 
Astros fogem no céu... ninguém mais pode vê-los... 
procuram, para amar, a noite mais distante, 
e eu, para amar, procuro a noite em teus cabelos!... 
 

 

 

 

Noiva 
 
 

Ei-la toda de branco. Aos pés, o imenso véu 
como em flocos de espuma, espalhado no chão... 
No ar, dentro do olhar, cabe inteirinho um céu, 
e leva um céu maior dentro do coração... 
 
Nos lábios... Ah! nos lábios o sabor do mel, 
e uma carícia em flor se entreabre em cada mão, 
- e que tremor no braço, ao deixar no papel 
o nome dela, o dele... os dois desde então... 
 
Quem lhe falou da vida? A vida é um sonho, a vida 
é esse caminho azul, esse estranho embaraço 
de sentir-se ao seu lado adorada e querida... 
 
Aos seus pés, como nuvem branca, o imenso véu... 
Quem dirá, que ao seguir apoiada ao seu braço 
não pensa que caminha em direção ao céu?... 

 

 

 

Núpcias pagãs 
 
 

Braços dados, nós dois, vamos sozinhos... 
O teu olhar de encantamento espraias 
pelas curvas e sombras dos caminhos 
debruados de jasmins e samambaias 
 
Há queixumes de amor na alma dos ninhos 
e as nuvens lembram danças de cambraias... 
- na minha mão ansiosa de carinhos 
tonta de amor, a tua mão, desmaias... 
 
Andamos sobre painas... entre alfombras... 
E à luz frouxa da tarde em desalento 
misturam-se no chão as nossas sombras 
 
- Aqui... Há rosas soltas, desfolhadas... 
Nada receies, meu amor - é o vento 
em marcha nupcial pelas ramadas! 
 

 

 

 

O Lago do Cisne 
 
 
Foram meus olhos, duas asas tontas 
que ao teu redor, como ao redor da luz 
queimaram suas ânsias e ficaram 
mortos no chão, como cigarras mortas... 
 
No bailado em que estavas, sobre o palco, 
meu desejo - esse fauno de alma triste, 
tomaria teu corpo e bailaria 
até que o mundo se fundisse ao sonho... 
 
Olhos de luar e vinho que me seguem 
na ária da solidão em que me envolvo 
sem volta, sem partida, sem transcurso... 
 
Foram meus olhos que te descobriram 
e ficaram vogando esse abandono 
de cisne branco sobre o lago imenso... 
 

 

 

 

O verbo Amar 
 
 

Te amei: - era de longe que eu te olhava 
e de longe me olhavas vagamente... 
Ah, quanta coisa nesse tempo a gente 
sente, que a alma da gente faz escrava... 
 
Te amava: - como inquieto adolescente, 
tremendo ao te enlaçar... E te enlaçava 
adivinhando esse mistério ardente 
do mundo, em cada beijo que te dava! 
 
Te amo: - e ao te amar assim vou conjugando 
os tempos todos desse amor, enquanto 
segue a vida, vivendo... e eu, vou te amando... 
 
Te amar é mais que um verbo, é a minha lei: 
- e é por ti que o repito no meu canto: 
te amei, te amava, te amo e te amarei! 

 

 

 

Palavras 
 
 
Ah! como me parece inútil tudo quando 
sobre nos tenho escrito e hei de ainda compor... 
não há verso que valha uma gota de pranto 
nem poema que traduza um segundo de dor. 
 
Nem palavra que exprima a singeleza e o encanto 
de um pedaço do céu, de um olhar, de uma flor! 
Ah! como me parece inútil tudo quanto 
na vida, tenho escrito sobre o nosso amor. 
 
Não devia existir a palavra... Devia 
existir tão somente a infinita poesia 
dos gestos e da luz, - que o amor do meu enlevo 
 
quando o sinto, é profundo, indefinido e imenso, 
mas se o chão tão grande quando nele penso 
parece-me tão pouco se sobre ele escrevo! 

 

 

 

Par constante 
 
 
Dia dois... uma festa... Era o mês de janeiro... 
Festa da minha vida... A noite azul, brilhante... 
Chegaste... E eu fui teu par... fui o teu par primeiro... 
Dançamos... (como é bom lembrar aquele instante!) 
 
Tu, tão linda, nem sei... Eu, feliz, petulante, 
um pouco petulante, sim... mas cavalheiro... 
Dançamos toda a noite... E fui teu par constante... 
Nem só teu par constante... Eu fui teu par primeiro... 
 
Quantas cousas te disse... E assim juntos, os dois, 
com os meus olhos nos teus - afinal, quem diria 
o mundo que ainda havia de surgir depois? 
 
Quem diria ao nos ver, talvez, aquele instante, 
que o nosso par feliz, constante aquele dia, 
seria a vida inteira e sempre um par constante! 

 

 

 

Passional 
 
 
És lânguida e amorosa quando estás sozinha 
e em teu corpo perfeito este amor apoteosas! 
Nos teus olhos distantes, tudo se adivinha 
e há um teu beijo um sabor encarnado de rosas! 
 
Nasceste com certeza para ser rainha, 
e o serias na certa, das mais poderosas! 
- no entanto, aqui te tenho escrava, e sendo minha 
cabes toda e inteirinha em minhas mãos nervosas! 
 
Os teus cabelos louros, soltos sobre o leito 
espalham-se  em meu ombro, emolduram teu rosto, 
e, quando assim te sinto abatida em meu peito 
 
os teus olhos castanhos, místicos, oblongos, 
vão morrendo em desmaios roxos de sol posto 
sob a noite de seda dos teus cílios longos! 
 

 

 

 

Pecadores...  
 
 
Ali - no canto escuro do jardim 
não havia o menor sinal de gente... 
Só nós dois... E eu então, sensualmente 
beijei-te a boca... o seio... tudo enfim... 
 
Nem eu sei bem dizer o que se sente, 
quando estreitei teu corpo junto a mim... 
- Embriaguei-me talvez... completamente... 
- naquele canto escuro do jardim... 
 
Fui ousado, bem sei... Dizias: - não! 
- mas não pude te ouvir sentindo aquela 
tão louca e indescritível sensação 
 
E pequei... - Pecaria outro qualquer 
- Foi mais culpado o Deus que te fez bela 
e ele - o Demônio -  que te fez mulher! 
 

 

 

 

Pensando nela 
 
 

Neste instante em que escrevo, estou pensando nela, 
longe de mim, no entanto, em que estará pensando? 
- quem sabe se a sonhar, debruçada à janela 
recorda nosso amor, a sorrir, vez em quando... 
 
Ou terá tal como eu, esse ar de alguém que vela 
um sonho que estivesse em nosso olhar flutuando? 
Ou quem sabe se dorme, e adormecida e bela 
o luar lhe vai beijar os lábios, suave e brando... 
 
Invejaria o luar... É tarde, estou sozinho, 
ela dorme talvez, e não sabe que ao lado 
do seu leito, a minha alma ronda de mansinho... 
 
Nem vê meu pensamento entrar pela janela 
e ir na ponta dos pés murmurar ajoelhado 
este verso de amor que fiz, pensando nela! 

 

 

 

Piano de Bairro 
 
 
Na rua sossegada onde moro, - à tardinha, 
quando em sombras o céu lentamente escure, 
- um piano solitário, em surdina, - parece 
acompanhar ao longe a tarde que definha... 
 
Nessa hora, em que de manso a noite se avizinha, 
seus acordes pelo ar tem murmúrios de prece... 
- Ah! Quem não traz como eu também, na alma sozinha, 
um piano evocativo que nos entristece? 
 
Há sempre um velho piano de bairro, esquecido 
na memória da gente, - e que nas tardes mansas 
sonoriza visões de outrora ao nosso ouvido. 
 
Seus monótonos sons, seus estudos sem cor, 
repetem no teclado branco das lembranças 
o inconcluso prelúdio de um longínquo amor! 
 

 

 

 

Por que falar de amor? 
 
 

Sonhei fazer-te minha só: - rainha! 
Quiseste ser apenas cortesã. 
E o desejo a crescer, - planta daninha- 
foi tornando este amor sem amanhã. 
 
Para mim, não bastava seres minha; 
quis no céu, por a estrela da manhã, 
e acabei por moldar-me ao que convinha 
a essa tua paixão de terra chã. 
 
Se não deste valor ao coração, 
mas aos sentidos, em que se consomem 
restos de um erotismo em combustão, 
 
por que falar de amor? Foste lograda; 
tu não tens aos teus pés o amor de um homem, 
tens um fauno de rastros... e mais nada! 
 
  

II 
Não compreendias, quando o ciúme 
num egoísmo de amor te acompanhava, 
mas, por que não dizer? punha perfume 
na ternura que em nós desabrochava... 
 
O amor é uma arma de afiado gume 
que, se cortava a ti, a mim cortava, 
- que tu cegaste, e agora se resume 
em desejo somente, fumo e lava. 
 
Lava que escorre, e que destrói aos poucos... 
E se os mais belos sonhos se consomem 
nesses anseios cada vez mais loucos, 
 
por que falar de amor? Foste lograda: 
tu não tens aos teus pés o amor de um homem, 
tens um fauno de rastros... e mais nada! 
 
 

III 
Se era preciso ser assim ferido 
para ter-te em meus braços e em meu leito, 
e sofrer tudo o que já foi sofrido 
e aceitar tudo o que já está desfeito... 
 
Se era preciso, para ser querido, 
ver também, rudemente contrafeito 
o coração de ciúmes corrompido 
em silêncio, a chorar, dentro do peito! 
 
Se era preciso destruir-me tanto 
nesses desejos em que se consomem 
os restos de um orgulho que foi canto, 
 
por que falar de amor? Foste lograda: 
tu não tens aos teus pés o amor de um homem, 
tens um fauno de rastros... e mais nada! 

 

 

 

Por quê? 
 
 

Foi tudo uma surpresa, tudo de repente, 
talvez nenhum de nós saiba explicar porque, 
- você deixou de ser o que era antigamente 
e o que era antigamente eu já não sou, se vê... 
 
Eu era um seu amigo. E pra mim, você 
por muito tempo foi a amiga e a confidente, 
- deixei-a ler, assim como um cigano lê 
nas mãos, toda a minha alma indiferentemente... 
 
Por muito tempo, os dois, felizes, nos julgamos, 
ate que certo dia... (e eu não lhe disse nada 
nem você disse nada) nós nos afastamos... 
 
Hoje você me evita... Hoje evito a você... 
E seguimos então, cada um por sua estrada 
sem que nenhum de nós saiba explicar porque...    

 

 

 

Pouso 
 
 
Pervaguei muito tempo a procura de um pouso 
como alguém que batesse em vão de porta em porta 
- meu olhar, parecia perguntar ansioso: 
quem me dá sua mão?... quem minha alma conforta! 
 
Caminheiro sem rumo, a alma já quase morta, 
via ao longe o caminho intérmino e sinuoso... 
- (quanta coisa afinal na vida se suporta 
antes de conseguir-se um pouco de repouso!) 
 
Minha vida era assim... - uma estrada vazia... 
E eu caminhava a olhar buscando o que surgisse 
a frente, - e ao meu redor tudo aos poucos fugia... 
 
Até que te encontrei! ... E se não te encontrasse, 
- talvez há muito tempo eu já não existisse! 
- talvez que á muito tempo eu já não caminhasse! 

 

 

 

Prece 

 

 
Bendita sejas tu em meu caminho! 
Bendita sejas tu, pela coragem 
com que fizeste de um amor selvagem 
esse amor que se humilha ao teu carinho! 
 
Bendita sejas, porque a tua imagem 
suaviza toda angústia e todo espinho... 
Já não maldigo a insipidez da viagem, 
nem me sinto só, nem vou sozinho... 
 
Bendita sejas tantas vezes quantas 
são as aves no céu; e são as plantas 
na terra; e são as horas de emoção 
 
em que juntos ficamos, de mãos dadas, 
como se nossas vidas irmanadas 
vivessem por um mesmo coração! 

 

 

 

Prelúdio da gota d’água 
 
 

Cheio da tua ausência me angustio 
a cada hora que passa... a cada instante... 
- pelo meu pensamento, como um fio, 
és uma gota d'água, tremulante... 
 

Uma gota suspensa e cintilante, 
límpida e imóvel como um desafio... 
Tua ausência, - é a presença triunfante 
daquela gota que ficou no fio... 
 

As outras todas, céleres, pingaram, 
e caíram na terra onde secaram, 
só tu ficaste, última gota, assim 
 

como uma estrela sem ter firmamento, 
suspensa ao fio do meu pensamento 
e a brilhar, sem cair... dentro de mim... 
 

 

 

 

Pressentimento 
 
 
O fim do nosso amor pressenti - na agonia 
das tuas próprias cartas, rápidas, pequenas... 
- se nem tantas, com carinho imenso te escrevia 
tão poucas me chegavam por reposta apenas... 
 
Nas cartas que a sofrer, te escrevia, às dezenas 
adiava a realidade sempre, dia a dia, 
procurando iludir em vão as minhas penas 
muito embora eu soubesse o quanto me iludia! 
 
Hoje... já não foi mais surpresa para mim, 
dizes (como quem tem piedade), que é melhor 
não continuarmos mais... e tens razão: é o fim... 
 
Há muito eu o esperava e o pressentia no ar... 
Chegou... que hei de fazer?... Foi bom... Seria Pior 
se ele não viesse nunca... e eu ficasse a esperar... 

 

 

 

Psicologia 
 
 

Foi hoje que notei: - em nosso face a face 
encontrei teu olhar, e assim como se deve 
fazer em tal momento, um cumprimento leve 
dos meus lábios fugiu sem que sequer notasse... 
 
Foi hoje que notei: - tu passas orgulhosa 
e nem deste resposta ao meu sorriso antigo, 
- voltaste o rosto até, assim como quem posa 
e foste indelicada a um teu sincero amigo... 
 
Perdôo-te... É que sinto o quanto me adoraste, 
do contrario, farias como eu faço, enquanto 
não nego um cumprimento ao ver que tu passaste... 
 
Ainda sofres, bem sei... És tolinha demais... 
- foi tanto o teu amor, e o teu amor é tanto 
que ao passares por mim nem cumprimentas mais! 

 

 

 

Que hei de fazer? 

 
 
Por certo havia rastros e pegadas 
pelos caminhos onde me perdi, 
e colhi rosas brancas e encarnadas 
que se despetalaram por aí. 
 
Quantos tudos julguei, que foram nadas, 
quanto amor batizei que não senti, 
- até o momento em que as encruzilhadas 
se desencruzilharam - rumo a ti. 
 
Que hei de fazer? Farei tudo que possa 
para que aceites a felicidade 
que depende de ti para ser nossa... 
 
Pode ser tudo estranho e paradoxal; 
   julgas que foste a última, e em verdade 
foste a primeira e única afinal. 

 

 

 

Razões...  
 

 

Pensarás que é mentira e é no entanto verdade 
- mas me afasto de ti, propositadamente, 
pelo estranho prazer de sentir que a saudade 
ainda torna maior o coração da gente... 
 
Parto! Bem sei que parto sem necessidade! 
Quero ver os teus olhos turvos, de repente, 
embora não compreenda essa felicidade 
que assim te faz sofrer comigo inutilmente! 
 
Quero ouvir-te na hora da despedida 
que eu volte bem depressa para a tua vida, 
- quero no último beijo um soluço interior... 
 
Que enquanto ficas só, e enquanto vou sozinho, 
sabemos que a saudade vai tecendo o ninho 
que há de aquecer na volta o nosso eterno amor! 
 

 
II 
Quando passas por mim depressa, indiferente, 
e não me dás sequer, um sorriso... um olhar... 
- como um vulto qualquer, em meio a tanta gente 
que costuma nos ver sem nunca nos notar... 
 
Quando passa assim, distraída, nesse ar 
de quem só sabe andar olhando para frente, 
e finges não me ver, e avanças sem voltar 
o rosto... e vais seguindo displicentemente... 
 
- eu penso com tristeza em tua hipocrisia... 
Ninguém sabe que a tive ao meu amor vencida 
e que um dia choraste... e que choraste um dia... 
 
Mas para que contar? Que sejas sempre assim, 
e que ninguém descubra nunca em tua vida 
as razões por que passas sem olhar pra mim!... 

 

 

 

Renúncia 
 
 
Quero-te muito, muito - o nosso amor 
é belo, bem o sei, mas não o mereço... 
- da incerteza em que vivo não me esqueço, 
- só da renúncia eu devo pois dispor... 
 
Não passo de um ousado sonhador 
nascido na pobreza - reconheço 
que a riqueza dos versos não tem preço: 
- o destino de um poeta é enganador... 
 
Dividir meu viver, eu, pois, não quero... 
Poderás amanhã vir maldizer 
este amor que é a ilusão que mais venero... 
 
Esquece... Esquece os sonhos que eu desfiz... 
- Para o teu bem tu deves me esquecer 
já que não posso te fazer feliz!... 

 

 

 

Retorno inútil 
 
 
Voltaste - e nos teus olhos novamente havia 
aquela úmida luz que eu reconheço bem... 
quiseste reavivar talvez minha agonia 
e falaste em perdão... e choraste também... 
 
“Não voltes! que terás na volta o meu desdém!” 
falei-te... Mas sorriste do que eu te dizia... 
Confiaste em meu amor e voltaste!: Pois bem 
Já não há mais amor: - há indiferença fria... 
 
Inútil, tua volta. O meu Ser já não sente, 
Retorna ao teu amor, aquele grande amor 
de que um dia falavas orgulhosamente... 
 
Retorna! Porque em mim já nada encontrarás! 
Depois da humilhação, depois de tanta dor, 
Já não sou mais o mesmo... e nem te quero mais! 

 

 

 

Romantismo... 
 
 
Quisera repousar desta vida de agora, 
e esquecer no silêncio a dor que me lacera... 
- não posso ter em mim o ardor da primavera, 
- na casa de meu peito uma saudade chora... 
 
E há sempre uma lembrança a recordar de outrora 
que me faz sonhador... E há sempre uma quimera, 
que ainda vive em minha alma à semelhança da hera 
pregada sobre o muro em ruínas que a vigora... 
 
Quisera me afastar do mundo, e a alma selvagem 
repousar bem distante à beira de um remanso 
entre o beijo do vento e o choro da folhagem... 
 
E esperar sem ninguém o prosseguir da vida... 
Depois... chegando a morte, em preito ao meu descanso 
deixar a minha cruz na solidão perdida!... 

 

 

 

Sensual 
 
 
Ainda sinto o teu corpo ao meu corpo colado; 
nos lábios, a volúpia ardente do teu beijo; 
no quarto a solidão, desnuda, ainda te vejo, 
a olhar-me com olhar nervoso e apaixonado... 
 
Partiste!... Mas no peito ainda sinto a ânsia e o latejo 
daquele último abraço inquieto e demorado... 
- Na quentura do espaço a transpirar pecado, 
Ainda baila a figura estranha do desejo... 
 
Não posso mais viver sem ter-te nos meus braços! 
- Quando longe tu estás, minha alma se alvoroça 
julgando ouvir no quarto o ruído dos teus passos... 
 
Na lembrança revejo os momentos felizes, 
e chego a acredita que a minha carne moça 
na tua carne moça até criou raízes!... 

 

 

 

Sofrer por sofrer... 
 
 
Parti. Quis te deixar abandonada 
às lembranças do amor que nos prendeu. 
Trouxe comigo, na alma torturada, 
um ciúme atroz ciumentamente meu... 
 
Fugi... fuga cruel, desesperada, 
quando supus que nosso amor morreu... 
Fuga inútil, se ainda és a minha amada, 
se continuo inteiramente seu! 
 
Não, não me livro deste amor nefasto, 
nem dessa angústia, dessa luta, desse 
ciúme que aumenta quanto mais me afasto... 
 
E hoje concluí, fugindo de meus passos, 
que sofrer por sofrer, antes sofresse 
como sempre sofri... mas nos teus braços! 

 

 

 

Solidão 
 
 
Um frio enorme esta minha alma corta, 
e eu me encolho em mim mesmo: - a solidão 
anda lá fora, e o vento à minha porta 
passa arrastando as folhas pelo chão... 
 
Nesta noite de inverno fria e morta, 
em meio ao neblinar da cerração, 
o silêncio, que o espírito conforta, 
exaspera a minha alma de aflição... 
 
As horas vão passando em abandono, 
e entre os frios lençóis onde me deito 
em vão tento conciliar o sono 
 
A cama é fria... O quarto úmido e triste... 
- Há uma noite de inverno no meu peito, 
desde o instante cruel em que partiste... 

 

 

 

Solitário 
 
 
Longe de ti, do mundo - solitário. 
sem o riso das falsas alegrias 
vou desfiando, um a um, todos os dias, 
como contas de dor, no meu rosário... 
 

E assim - sem Ter ninguém - oh, quantas vezes! 
- no amor que já deixei fico a pensar... 
E as semanas se escoam sem parar: 
a primeira... outra mais... mais outra... e os meses... 
 
O outono já chegou, e as folhas solta... 
E eu, sem querer, nostálgico, me ponho 
a pensar que esse amor aos poucos volta... 
 

Mentira!... Vã mentira que me ilude!... 
Como é triste a ilusão mesmo num sonho, 
Eu que na vida me iludir não pude!... 

 

 

 

Sonetinho 
 
 
Não tenho jeito pra trova 
apesar das que já fiz 
a quadra lembra uma cova 
com a cruz dos versos em  X... 
 
Ainda estou vivo e feliz 
e do que digo dou prova: 
- tentei cantar, numa trova, 
e o meu amor pediu bis. 
 
Bem sei que é meu o defeito. 
mas uma trova  é tão pouco 
que ao meu cantar não dá jeito... 
 
Só mesmo um poema é capaz 
de conter o amor demais 
que trago dentro do peito 
 

 

 

 

Soneto à tua volta 
 
 
Voltaste, meu amor... enfim voltaste! 
Como fez frio aqui sem teu carinho.... 
A flor de outrora refloresce na haste 
que pendia sem vida em meu caminho. 
 
Obrigado... Eu vivia tão sozinho... 
Que infinita alegria, e que contraste! 
- Volta a antiga embriaguez porque voltaste 
e é doce o amor, porque é mais velho o vinho! 
 
Voltaste... E dou-te logo este poema 
simples e humilde repetindo um tema 
da alma humana esgotada e envelhecida... 
 
Mil poetas outras voltas celebraram, 
mas, que importa? se tantas já voltaram 
só tu voltaste para a minha vida... 
 

 

 

 

Soneto ao nosso encontro 
 
 

Desenrolam-se as curvas do caminho 
à proporção que aos poucos avançamos... 
Um dia, - e eu vinha então triste e sozinho, 
- um dia, - vinhas só... nos encontramos... 
 
Desde esse dia, juntos, simulamos 
duas asas de um mesmo passarinho, 
- nesse destino que entrançou dois ramos 
que dão a mesma flor... e o mesmo espinho... 
 
Depois de tantas curvas já vencidas 
que sejamos ao fim de nossas vidas 
na perfeição do amor que nos conduz, 
 
- como a folhagem que um só ninho esconde, 
ou dois galhos que vêm da mesma fronde 
para juntos morrer na mesma cruz! 

 

 

 

Soneto 
 
 
Bom o tempo que ficou, - amei-te na alegria 
de uma tarde azulada e linda de Setembro, 
- disso tudo hoje triste eu muita vez me lembro 
enquanto uma saudade o peito crucia... 
 
Amei-te, como nunca outro alguém te amaria, 
eras o meu sonhar de Janeiro à Dezembro... 
Depois... Tu me deixas-te, e ainda hoje se relembro, 
Amargo a mesma dor cruel daquele dia... 
 
Agora sem viver, - sou um corpo sem alma,- 
conformo-me com tudo, e vou chegando ao fim 
- como a tarde que cai bem suavemente em calma. 
 
Já não sinto... não sofro... já nem vivo até. 
- Se a vida ainda era vida ao ter-te junto à mim 
hoje, longe de ti, - nem vida ao menos é! 

 

 

 

Sonetos para Maria Helena 
 
 
Tu que por crenças vãs a Vida arrasas 
e ante o espelho não queres ver que és, 
que imagina viver abrindo as asas 
e te esqueces de andar com os próprios pés... 
 
Que transforma o Sonho num revés 
mesmo a acender o fogo em que abrasas, 
e te algema as mãos, - as mãos escravas 
como as do prisioneiro das galés. 
 
Tu que te enganas a falar de alturas 
com as palavras mais belas e mais puras 
e te imolas num gesto superior, 
 
não percebes nessa ânsia de suicida 
que nada há enfim mais alto do que a Vida 
quando a erguemos num brinde - ébrios de amor! 
 

 

 

 

Sorrio... 
 
 
Ah! vieste me falar de antigamente 
desse tempo em que fui sentimental, 
quando o amor era um sonho puro e ardente 
vestido em véu de espumas, nupcial... 
 
Quando me dava, perdulariamente, 
vivendo o mal sem conhecer o mal, 
a levar a alma inquieta de quem sente 
e de quem busca uma conquista ideal... 
 
Era sestro da idade essa existência... 
Sinal de pouca vida e muito sonho, 
de muito sonho... e pouca experiência... 
 
Hoje, no entanto, se a pensar me ponho: 
- sorrio... Um vão sorriso de indulgência... 
...Sinal de muita vida... e pouco sonho... 

 

 

 

Suprema ironia 
 
 
Não digas que não sofro - o meu sofrer profundo 
com um sorriso nos lábios muita vez apago... 
A dor - é coo a pedra que cai - vai pro fundo 
sob a face serena e tranqüila do lago... 
 
Um segundo de pura alegria - um segundo 
muitas vezes me basta, e já me dou por pago... 
Se invejo, invejo aquele que não tendo um mundo, 
tem mundo para além do olhar ardente e vago... 
 
Que eu não ando a dizer que sofro e me atormento! 
É covardia a gente maldizer-se à toa 
a viver esta vida entre um ai e um lamento... 
 
Eu, não! Bem sei que sofro, mas sofrer - que importa? 
Digo aos homens que o mundo é belo, a vida é boa! 
E... suprema ironia... a minha voz conforta! 
 

 

 

 

Supremo orgulho 
 
 

Nunca soube pedir...Nunca soube implorar... 
Nasci, tendo este orgulho em minha lama irriquieta, 
- há  um brilho que incendeia o meu altivo olhar 
de crente superior... de indiferente asceta... 
 
Minha fronte, jamais, eu soube curvar 
na atitude servil de uma existência abjeta... 
Ninguém é mais que eu!... Ninguém... e este meu ar 
de orgulho, vem da glória imensa de ser poeta... 
 
Sou pobre - mas riqueza alguma há igual à minha, 
- a mulher que eu amar terá a glória suprema 
de um dia se sentir maior que uma rainha.... 
 
Terá a glória de saber o seu nome 
perpetuado por mim nas estrofes de um poema, 
desses que a História guarda e o Tempo não consome! 

 

 

 

Surpresa 
 
 
Começamos assim: - eu, tendo em mente 
fingir gostar apenas: namorar, 
como chamam na vida comumente 
aos primeiros encontros de algum par... 
 
Tu, disposta a prender-me ao teu olhar 
por um mero capricho e, fatalmente, 
depois que eu me curvasse a te adorar 
trocar-me-ias por outro facilmente... 
 
Começamos assim - logo, no entanto 
- aquilo que pensei, não consegui, 
nem conseguiste o que querias tanto... 
 
E afinal - que belíssima surpresa!... 
- Eu, de tanto fingir:  –  gostei de ti, 
tu, querendo prender: - ficaste presa!... 

 

 

 

Tão simples este amor... 
 
 

Tão simples este amor nasceu... Nós nem notamos 
que era amor e afeição que aos poucos nos prendia... 
O amor, - é aquela flor que engrinalda dois ramos 
aos esponsais de luz do sol de cada dia! 
 

Dois ramos, - eu e tu, - e as horas desfolhamos 
numa doce, irrequieta e impensada alegria, 
- e assim vamos vivendo, e a viver, acenamos 
sonhos verdes aos céus azuis da fantasia! 
 

Tão simples este amor nasceu... Tal como nasce 
um beijo em tua boca, um riso em tua face, 
uma estrela no céu... ou uma flor de um botão... 
 

Nem era necessário mesmo eu te falar, 
se já o tens transformado em luz no teu olhar, 
e eu, já o sinto a cantar, dentro do coração! 
 

 

 

 

Tarde demais 
 
 
Crescemos sempre assim, unidos - desde crianças 
vivemos como irmãos, e, afinal, só depois 
que o tempo nos mudou, é que eu e tu, nós dois, 
descobrimos no amor as nossas esperanças... 
 
Mas foi tarde demais... Eu já tinha tomado 
um rumo diferente - e o meu caminho e o teu 
cada qual do princípio um dia se esqueceu, 
e seguiu, cada qual, um rumo inesperado... 
................................................................................................. 
 
Quantos anos!... Meu Deus!... É esquisita esta vida... 
Depois que a nossa estrada em duas foi partida 
em uma novamente, o mundo as quis juntar.. . 
 
Mas de nada serviu... De que serviu nos vermos 
se o presente tornou os nossos sonhos ermos, 
- se não podes me amar!... se não posso te amar!... 

 

 

 

Timidez 
 
 
Eu sei que é sempre assim, - longe dela imagino 
mil versos que não fiz mas que ainda hei de compor, 
perto dela, - meu Deus!... lembro mais um menino 
que esquecesse a lição diante do professor... 
 
Penso, que a minha voz terá sons de violino 
enchendo os seus ouvidos de canções de amor, 
- e hei de deixá-la tonta ao vinho doce e fino 
dos meus beijos, no instante em que minha ela for... 
 
Ao seu lado, no entanto, encabulado, emudeço, 
e se os seus lábios frios, trêmulos, se calam, 
eu, de tudo, das cousas, de mim mesmo, esqueço... 
 
E ficamos assim, ela em silêncio... eu, mudo... 
Mas meus olhos, nem sei... ah! Quantas cousas falam! 
e seus olhos, seus olhos!... dizem tudo, tudo! 

 

 

 

Tonta... 

 
 
Dizes que ficas tonta... quando em tua boca 
ergo a taça da minha a transbordar de beijos, 
e te dou a beber dessa champanha louca 
que espuma nos meus lábios para os teus desejos. 
 
Dizes... E em teu olhar incendiado talvez, 
como que tonto mesmo e ardendo de calor, 
vejo se refletir minha própria embriaguez 
e o mundo de loucura que há no nosso amor... 
 
E receio por ti e por mim, e receio 
que um dia ao te sentir tão junto, eu enlouqueça 
e aperte no meu peito a maciez do teu seio... 
 
Dizes que ficas tonta... Hás de então ficar louca! 
E eu tomando entre as mãos tua loura cabeça 
hei de fazer sangrar de beijos tua boca!... 

 

 

 

Tua carta 
 
 
A carta que escreveste é a oração que repito 
todas as noites, sempre, antes de me deitar, 
à hora em que abro a janela ao azul do infinito 
e me ausento de tudo... e me esqueço a sonhar... 
 
Eu, descrente da terra e dos homens, descrente 
mais ainda dos céus, com bem maior razão, 
murmuro a tua carta religiosamente 
pois fiz do teu amor a minha religião... 
 
Tua carta, nem sei... releio-a a todo instante, 
ela acende em meus olhos tristes alegrias 
e me faz esquecer que te encontras distante... 
 
Paradoxos talvez, mentiras!... Não te esqueço 
se toda noite assim (há não sei quantos dias), 
com teu nome em meus lábios... rezando adormeço!... 

 

 

 

Tudo esqueço... 
 
 
Tudo posso esquecer em minha vida 
inquieta e livre como uma enxurrada: 
- a ilusão, num segundo, mais querida... 
- a mulher, num segundo, mais amada... 
 
a visão de algum trecho azul da estrada 
entre ternos carinhos percorrida; 
- uma história que um dia interrompida 
nunca mais afinal foi terminada! 
 
Os desejos... os sonhos... os amores... 
que julgo eternos, e que por enquanto 
despetalam-se e morrem como flores... 
 
Esqueço tudo! O que passou, morreu! 
Só não consigo me esquecer no entanto 
da primeira mulher que me esqueceu... 

 

 

 

Tudo... Nada... 
 
 

É isso mesmo a vida, - eu que tenho ao meu lado 
a espera do primeiro gesto 
mulheres que desprezo e que me tem paixão, 
- imploro o teu amor, de joelhos, desprezado... 
 
- És feliz, dizem uns; és querido e admirado; 
outros dizem; - no entanto, eu sinto o coração 
vazio, e ninguém sabe que em minha alma estão 
presos, - um grande amor e um sonho imensurado... 
 
- Podes ter aos teus pés o mundo e o que quiseres; 
afirmam-me... E eu sorrio, amargurado e mudo 
ante a oferta de amor de inúmeras mulheres... 
 
Tanta cousa!... E a minha alma triste e amargurada! 
- Que me adianta esse amor, esse mundo, isso tudo, 
Se Tudo para mim, sem teu amor, é o Nada!... 

 

 

 

Último vestígio 
 
 
Tu deves te lembrar: aquela casa antiga 
entre o verde bambual e a frondosa mangueira, 
- a varanda, a esconder-se sob a trepadeira, 
e o riacho a marulhar sua velha cantiga... 
 
As flores... o jardim... a estrada, uma alva esteira 
onde nós a sonhar andamos sem fadiga 
olhando para o céu - tudo isto, minha amiga, 
mudou... A nossa vida é mesmo passageira... 
 
As paisagens de outrora, estranhos transformaram: 
- o jardim... o bambual... a estrada, e até nem sei 
se as águas do regato os anos não pararam... 
 
Uma cousa, porém, existe, eu vi depois: 
- é aquele coração com os nomes que gravei 
no tronco da mangueira a relembrar nós dois!... 

 

 

 

Uma palavra, um gesto... 
 
 
Não quiseste, - ou quem sabe? ... vacilaste na hora 
em que esperei de ti uma palavra, um gesto... 
- bastaria um olhar quando me fui embora, 
um olhar... e eu feliz entenderia o resto... 
 
Mas, não. Nem um olhar, num um vago protesto, 
em um tremor na voz de quem sofre e não chora... 
Ah! teria bastado uma palavra, um gesto, 
para tudo, afinal, ser diferente agora... 
 
Parti! levou-me a vida, ao léu, e redemoinho... 
Hoje, volto, - e tu me olhas a falar de amor 
e me entregas as mãos num gesto de carinho... 
 
E evito teu olhar... E não me manifesto... 
- É que, já não te posso dar, seja o que for, 
nem mesmo uma palavra de esperança, um gesto... 

 

 

 

Uma resposta 
 
 
Não sabes a alegria em que fiquei 
ao ler o que escreveste - o teu cartão 
veio um pouco aquecer meu coração, 
que de há muito na sombra sepultei... 
 
A tristeza tornou-se-me uma lei 
neste estranho pais da solidão... 
- já nem sei como vais, nem como vão 
aqueles que há mil anos já deixei... 
 
Não penses mais em mim... Sou como um monge, 
- não voltarei jamais para a cidade 
e o tempo em que me falas vai bem longe... 
 
Fizeste bem em não me acompanhar... 
Tinhas toda razão... Felicidade 
só eu mesmo encontrei neste lugar!... 

 

 

 

Vaidade 
 
 
Tua vaidade é como um deus antigo 
exige sacrifícios aos seus pés... 
Olhar-te, é desafiar algum perigo, 
amar-te, é procurar algum revés... 
 
Olhei-te, e desde então teus passos sigo... 
Amei-te, e mesmo assim. não sei quem és... 
Meu amor, pobre amor, quase o maldigo, 
talvez seja outra vitima a teus pés... 
 
Amores, esperanças e desejos 
ardem nos castiçais dessa vaidade 
ao incenso sensual que há nos teus beijos... 
 
Eis que te trago aqui meu coração. 
Já de nada me serve, se em verdade 
converteu-se a tão fútil religião! 

 

 

 

Vencido 
 

 

Bem que te quis dizer as palavras mais duras, 
gritar que te desprezo... que te odeio enfim... 
fingir que já não tenho um mundo de tortura 
no mundo de aflições que sinto dentro de mim... 
 
Bem que quis te ocultar as minhas desventuras, 
escarnecer da dor que ao meu viver deu fim, 
relembrar a sorrir as tuas falsas juras 
e ofender-te, e magoar-te, e me vingar assim... 
 
Bem que tudo tentei. Mas nada consegui. 
E maldigo-me agora, e sofro, e desespero, 
porque não soube odiar... porque não te ofendi... 
 
Foste cruel... Entretanto, em meu tormento atroz, 
- foge-me a própria vida se esquecer te quero... 
- se te quero ofender, falta-me a própria voz! 

 

 

 

Vingança... 

 
 
Ontem eu a possuí ... e você não é minha! 
Paradoxo talvez, mas tudo aconteceu ... 
Em pensamento, o beijo eu colhia, tinha 
o sabor desse beijo que você não deu ... 
 
De olhos cerrados, louco, a sua imagem vinha 
com a força do que é real e se impôs ao meu “eu” ... 
E o corpo que eu tocava e a minha mão sustinha, 
na sombra, aos meus sentidos cegos - era o seu! 
 
Ontem por mais que a idéia seja estranha e louca, 
- você foi minha enfim!... apertei-a ao meu peito... 
desmanchei seus cabelos... machuquei-lhe a boca! 
 
E possuía afinal, - num ímpeto criador – 
vingando o meu orgulho abatido e desfeito 
num doentio segundo de paixão e amor! 
 

 
II 
Quero sentir-te nos meus braços presa 
e dizer bem baixinho ao teu ouvido, 
um segredo de amor terno e sentido 
que guardo no meu peito com avareza... 
 
Quero ter afinal plena certeza 
deste amor que na vida me tem sido: 
o meu sonho mais lindo e mais querido, 
a luz de uma esperança, sempre acesa... 
 
Nesta rosa que tens, viva e vermelha 
esmigalhada em tua boca - a abelha 
do meu beijo algum dia hei de pousar... 
 
Quero unir minha vida à tua vida, 
sentir que és minha só, ter-te possuída, 
para então, só depois, te abandonar!... 

 

 

 

Vinho 
 
 
Do amor tu não dirás: 
provo, mas não me embriago, 
que não basta provar para sentir o amor. 
É preciso sorvê-lo até o último trago 
se a embriaguez é que dá seu profundo sabor. 
 
Teu amor deve ter profundidade e cor 
não deve ser um sonho doentio e vago, 
se assim for, então sim, podes te dar por pago 
que este é o preço da vida e todo o seu valor. 
 
Transborda a tua taça, ergue-a nas mãos, e brinda 
o momento feliz que viveste e não finda, 
que só o amor que embriaga e que nos leva a extremos 
 
pode glorificar os sentidos e a vida, 
e vencendo a razão que nos tolhe e intimida, 
nos faz reaver, de pronto, as horas que perdemos! 


Volúpia 

 
Quisera te associar à pureza e à candura 
quando pensasse em ti... Mas a emoção, teimosa, 
transforma sem querer toda a minha ternura 
numa estranha lembrança ardente voluptuosa... 
 
Não poderei dizer apenas que és formosa 
quando a própria beleza em ti se transfigura, 
- e pela tua carne há pétalas de rosa 
e no teu corpo há um canto fresco de água pura! 
 
Um sincero pudor vislumbro em teus enleios, 
mas se disser que te amo com pureza, eu minto, 
- no olhar trago tatuada a visão de teus seios... 
 
E em vão tento associar-te ao céu, à fonte, à flor! 
Quando falo de ti, penso em teu corpo, e sinto 
que ainda estremece em mim teu último estertor! 

Comentários

Postagens mais visitadas